sábado, 19 de maio de 2018

crônica da semana - mamãe apreciando


Só apreciando o movimento
Sabe aquela situação toda atrapalhada que todo mundo, ao menos uma vez na vida já passou, de cair alguma coisa no chão, aí quando a gente vai ajuntar, já despenca uma bregueçada do bolso; e na vez que, no reflexo,  a gente tenta erguer o corpo, pôr a mão pra fechar o bolso e, ao mesmo tempo, tentar aparar no ar a bagulhada caindo, eis que dá um giro em falso e torce o pé. E por aí vai. No desespero explode num grito nervoso, levanta as mãos no impulso e a unha risca o branco olho. Dói que só e a lágrima cai. E não para. De repente, chove. Pra completar, passa um Pedreira-Lomas e espirra lama na gente. Pois é. Maio é desse jeitinho para mim. Completamente destrambelhado. É um mês barra pesada. De prazer e dor. Um mês de pelo sim e de pelo não. Do ir e do vir intrincado; do io e do chio tinhoso. É um tal de para e acerta, que vou te contar...
O banzeiro é mais tenso, agora pelo meio do mês. É que me faz voltar ao ano de 1998 quando emoções enviesadas pautaram os meus dias. E foi assim, num trisca, com poucas horas de distância entre os aconteceres. Dia das mães, meu aniversário e a morte de minha Luzia. Nesta ordem e em Passagens assim, encarreiradas, sem fade out. É história que já contei aqui e me tirou lágrimas dos olhos várias vezes, afinal, não é qualquer cristão que resiste sem sentimento, ao fato de comemorar o aniversário e, horas depois ver sua mãe começar a partir para nunca mais voltar.
Foram abalos de uma sísmica prodigiosa, seletiva, que me atingiram em cheio me deixaram azuruote por um bom tempo. A este fervilhamento na alma que sinto hoje, até uns anos atrás eu acrescentava uma profunda tristeza. O tempo fez a parte dele. Motivações outras ajudaram. Atualmente, atino mais para as confusões que o mês provoca que para os méritos que ele traz em si. E procuro trazer de volta minha mãe não mais na tristeza vasta, mas na prosa boa, doce e plena:
"Se Luzia ainda estivesse com a gente, teria hoje 78 anos. Seria uma velhinha inquieta. Teria a sua vendinha de qualquer coisa. Faria religiosamente, a fé no jogo do bicho. Se eu pedisse... Cantaria ‘Assim se passaram dez anos...’ para mim.
Esperaria Argelzinho comigo, até tarde, e me ajudaria a ralhar com ele porque não avisa, não liga pras horas, não atende telefone. Entenderia Amaranta mais que eu entendo e a chamaria para o colo dela, ao final da tarde, quando sentasse na porta da rua para apreciar o   movimento. Implicaria direto com Edna, em tudo, nas coisas da casa, no lugar disso, no lugar daquilo. Cultivaria aquela coceirinha gostosa num calinho amigo na quina do polegar. Quando quisesse falar comigo, me chamaria atenção com o indefectível código ‘Heim, Raimundinho, Isso assim assim assim...’ e procuraria um lugar frente a mim para continuar a conversa, porque gostava era de falar olhando nos olhos.
faria tudo para nos ter juntos, eu e minhas irmãs.
Vivo dizendo que Luzia vive em mim... As paredes e o vulgar dos olhos dizem que Luzia não está ali, mais, na sua cadeirinha, vendo o Sílvio, no Domingo...Mas o coração diz que está. Está sim".


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