Premonição
2
Até
outro dia, tinha a impressão de ser possuidor de uma certa paranormalidade. Na última ocasião, que ocorreu antes’donte
mesmo, tive um isso pra me convencer. Só não crio uma seita ou uma irmandade de
seguidores, porque há controvérsias na família. Aqui em casa a versão é que
sofro de uma incontrolável patetice, com consequências inclusive, para os
interesses caros da comunidade. Eu, por mim, continuo achando que é um dom.
Senão, repare:
Essa
semana, tive um sonho. Era uma viagem de rotina que faço de lancha nas
madrugadas. Estava já com um pé embarcado, quando dei por falta da minha
mochila. Instantaneamente, me vi na Mauriti (lembremos que é um sonho, e este
detalhe justifica o fato de, mesmo com o trânsito caótico de Belém, e com os
alagados da hora, uma viagem do porto do Veropa até a Pedreira tenha sido num
pisca). Minha mochila tinha mudado de cor. Era azul-celeste, a cor do melhor do
Norte. Embora modificada, a reconheci, descaída sobre o meio-fio da rua. Não
pude pegá-la. O sonho, a gente sabe, não se explica. Eu tentava chegar perto,
alcançar a mochila, mas não conseguia. Uma força me impedia e eu me sentia sem
condições de me aproximar e resgatá-la da beira da vala. Era uma força
enevoada, escondida, e tão potente, que no mesmo trisca que me trouxe para a
Mauriti, me levou de volta para o Veropa, onde me vi embarcando resignado para
mais um dia de lida. Sem a dita mochila do Papão.
E
não é que de manhã, não sei de que jeito (a versão da família é a patetice), no
caminho para o trabalho, acho que na antecâmara do soninho que a gente dá
durante a viagem, ao sair do barco, deixei para trás o livro que folheio sempre
para chamar um sono rápido. Na minha cabeça, jurava que tinha guardado o livro
na mochila. Mas quando! Ao procurar, para dar uma lida mais apurada, na volta
para casa, à tarde, quede? Lugar mais limpo.
Embora
as opiniões divirjam, estava anunciada pelo meu sonho, a perda de algum tererém
meu de uso naquela manhã. Não foi a mochila toda, mas foi o livro que estava
dentro dela. Isso é ou não é um sinal de que sou um cara especial?
Não
tem errada. Tenho poderes sobrenaturais. Preciso apenas cuidar para estabelecer
meios de domar esse talento, negar ou mesmo, aceitar os traçados do destino. No
caso do livro, poderia ter sido mais esperto, feito a conferência dos meus
pertences, naquela manhã em atenção às dicas do sonho. Do jeito que se deu, foi
uma negação.
Ocorreu
uma vez, de eu repassar pra mamãe, um por um, o elenco de números que apareceu
no sonho. Foi tiro e queda. Ela jogou e quebrou a banca do bicho, na extração
da Corujinha. Nesse caso foi de
aceitação na risca, do destino.
Só
que a gente não malda. Sonhou, tá sonhado e acabado. A gente nega por que são
eventos esparsos, de pouco impacto. Não inquietam nem amofinam. Quem sabe
sonhar com os números da mega-sena me faça a mim e aos meus, levar mais a sério
este dom (assim, também, maluco, com milhões na conta, quem não se convence). Se
eu conseguisse levitar, também seria uma demonstração irrefutável dos meus poderes.
Peralá, que vou ali na laje fazer um teste.
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