Banzeiro
Daquele
dia que aportamos no galpão Mosqueiro-Soure, chegando do Acre, custei que só
para navegar nas águas da Guajará de novo.
Meio
tonteira isso, algo de não se entender, mas nós belemenses, temos um jeito
continental de ser e de estar. Pouca trela dedicamos às nossas águas de fora
(do contrário já teríamos uma linha regular de transporte público,
Icoaraci-Belém).
Nos
batemos há tempos pelos caminhos de terra firme, hoje mais que antes, travados,
engarrafados, esburacados e perigosos. Resulta que só caí pra dentro da baía,
novamente, quando regressei de uma temporada de um ano trabalhando nas minas de
ouro do Amapá. E foi cheia de graça essa minha viagem. Poderia regressar de
avião, o contrato que fiz com a empresa, me dava direito. Quis experimentar a
aventura de quase 24 horas navegando pelos rios amazônicos. Troquei minha
passagem de avião por uma de navio e zarpamos eu e minha companheira Edna. Ela,
que durante a minha jornada em Macapá fez várias vezes este trajeto, não se
animou muito. Mas eu... Cisquei a viagem toda. Não preguei o olho. Subia,
descia os conveses, zanzava de popa a proa. Perdia o olhar durante o dia
procurando o horizonte ou, pela parte da noite, admirando o brilho das
estrelas. Por vezes, eu corria exaltadíssimo ao encontro de Edninha com a
notícia de que as canoinhas estavam se aproximando. E ela, calejada naquela
lida, me voltava com uns saquinhos plásticos já preparados contendo pequenos
regalos a serem lançados para os ribeirinhos. E lá eu me abalava para a
balaustrada do navio, aprumava a pontaria e...
Foi
uma experiência. Uma vivência que jamais pensei, no futuro, se repetir tantas
vezes.
Pouco
depois de voltar de Macapá e retomar a vida continental de Belém, fui chamado
para trabalhar em Barcarena. Pronto. Acabou a aridez. Findou-se a pobreza de
água. Se num determinado momento da minha vida, me fiz cativo das terras
emersas, nos últimos 22 anos, me realizo no leito da baía do Guajará. Começo e
termino o dia navegando os humores das águas toldadas do estuário.
E
esta frequência me dá um quê de proximidade com a dinâmica da baía. Conheço
detalhes da travessia. Entendo o balançar do barco em cada trecho da viagem. Me
permito a tensão quando cruzamos a foz do rio Guamá e navegamos meio de banda
resistindo à forte correnteza guamarina. E me deixo folgar quando o sentido da
corrente passa a ser único, na frente de Belém.
Um
tempão ziguezagueando por este tecido líquido guajarino, garante o conhecimento
sobre a ocorrência das marés e permite elaborações de agendas (na maré cheia, a
viagem, normalmente é mais rápida. Isto não é uma regra, mas, pelo comum, é). O
cerzido diário me concede saber respeitar a vontade dos ventos.
Dia
sim, outro também, a caminhada sobre as ondas me alerta para a época do ano de
grandes banzeiros. De manhanzinha, até que não, mas ao cair da tarde, agora,
entre agosto e dezembro, o banzeiro é certo. É tempo de onda quebrar no
Ver-o-Peso e ir lamber a calçada da ‘Casas Pernambucanas’.
Para
quem se queixava ser continental, a aventura, de uns tempos pra cá, tá é boa.
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