Dona
Redonda
Tomei
foi um susto dia desses, ao entrar num blog para pesquisar sobre uma conta da
matemática que calcula a distância da linha do horizonte até a gente.
Trata-se
daquela linha no fim das vistas que se desenha lá no fundo da baía do Guajará, e
se estende ali pras bandas do Marajó. A linha do horizonte.
Pitágoras
resolve a parada. É só calcular o valor de um dos catetos do triângulo
retângulo e a questão está dominada. Ocorre que para que esta conta seja
executada, a gente tem que admitir umas verdades anteriores. É essencial que a
gente acredite, por exemplo, que a Terra é redonda. Ou como se ensinava antes,
nas aulas de Geografia, redonda, achatada nos polos.
A
forma da terra já era conhecida pelos gregos há mais de dois mil anos. Enquanto
algumas crenças da Antiguidade pregavam que após a linha do horizonte as
embarcações despencavam num precipício eterno, Eratóstenes, comparando ângulos
e distância entre duas cidades gregas, imaginou a Terra como, o que seria hoje,
uma bola de futebol. Colombo provou que além do horizonte havia não o fim do
mundo, mas um mundo novo, e venceu os medos (quando estive visitando a Espanha,
fiz questão de reproduzir aquela cena clássica atribuída a Colombo. Ao final da
tarde, sentava numa batente de frente pro mar, procurava navios sumindo além do
horizonte oeste e trabalhava uma emoção dentro de mim. E trabalhava uma direção
aqui dentro de mim: ali, pra’quelas bandas é a minha Pedreira do samba e do
amor).
O
meu susto se deu exatamente porque, repassando uns comentários sobre o cálculo
indicado no blog, encontrei várias intervenções questionando a afirmação de que
a Terra é redonda e ao mesmo tempo, defendendo a idéia de uma Terra plana.
Minha apreensão aumentou quando, rolando a barra de comentários, mais e mais pessoas
apareciam reiterando esta noção de uma Terra com uma superfície definida em
forma de disco. E com tal entusiasmo e decisão que ao cenário, só faltou ser
acrescido o apavorante abismo eterno.
Parece
inacreditável que na era do Google Earth, dos satélites e das estações
orbitais, ainda apareçam opiniões tão antigas. Não houvessem estes suportes
tecnológicos, a alternância dia e noite já seria uma dica considerável sobre a
forma esférica da Terra. Mas me parece que estas evidências quase nos dadas de bônus
pelo bom Deus, não bastam.
Há
riscos nestas interpretações conservadoras dos estados naturais. Quem opera
descartando o conhecimento que a ciência nos oferta, verga-se com certa
facilidade para o preconceito, para a homofobia, para o racismo, para a eugenia.
Empenha-se em defender a arma não mão do cidadão de bem. Não digo que ter
convicções diferentes sobre a realidade, seja um pecado mortal. Infelizmente o
que percebo é que estas certezas, não raro, vêm acompanhadas de intolerância,
de violência, de radicalismo ideológico e doutrinário.
Acredito
no crescimento através da educação e do conhecimento. E tenho certeza que a
linha do horizonte, se buscada aqui do meu alpendre, vou encontrá-la um
pouquinho antes das matas do Marajó. Prova de que há um mundo novo, além.
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