Fulana
Estava
reservando o momento, o instante certo para revelar um segredo. Uma confissão
que eu faria e que tem a ver com a minha passagem pelo inquebrantável, o
insuperável, o insuplantável, o infatigável; o combatido, porém jamais vencido;
o ilustrado e glorioso Internacional da Mauriti.
Faria.
Mas
não vou falar hoje sobre o time da minha rua, ainda quando eu era moleque bom
de bola. Fica pra próxima esta prosa descortinada e suave, porque o papo da
hora é velado e áspero e se esparrama sobre o zunzunzum criado em torno da
regulamentação da PEC das domésticas.
E
o zunido vem das histórias que minha irmã conta quando lidava com esta prenda
nas casas da grã-finagem de Ipanema, Copacabana. Usava uniforme e tudo. Iguaizinhos
àqueles que as empregadas domésticas usam nas novelas, com aquele folho branco no
peito e aquela tiara engomada na cabeça. Minha irmã...Uma heroína. Filha
somente do meu pai. Veio com a gente do Acre. Mamãe criou todo mundo junto.
Ganhou o rumo do Rio de Janeiro com uma filha de meses no colo. Foi tentar a
sorte. Deu de confronte com a grã-finagem. Tem muita história.
As
empregadas domésticas agora têm direito, entre outros benefícios, ao FGTS e ao seguro-desemprego.
Assim como a Regina Casé,
no filme “Que hora ela volta?”, que vai tentar o Oscar no ano que vem, minha
irmã também levou a filha para morar na casa dos patrões.Tantas histórias me
contou.
Em época de avanços nesta
relação doméstica de trabalho, algumas lembranças vis voltam a arder sobre a
pele da gente.
O íntimo de dominação, de
autoridade, de comando e do jugo desmedido fez da elite branca brasileira uma
das mais cruéis e preguiçosas das sociedades coloniais. Era sinal de status
exibir-se em ócio confortável atendido em tudo em quanto por um grande número
de escravos. Senhoras da realeza, dondocas da nobreza, castos membros do clero
tinham serviçais até para limpar-lhes as partes após as naturais desobrigas
fisiológicas.
Este comportamento descansado
perpassou gerações. É claro, sofreu modificações impostas pelas pressões
civilizatórias, mas não perdeu a propriedade folgazã, mandona, assoberbada.
Apenas fez um rearranjo das humilhações.
A madama sentada estava e
de lá não saía para nada. “Fulana, traz água”; ‘Fulana, serve o café”; “Fulana,
limpa aqui que acabei derramando o suco na mesa”... E sempre ordena, e sempre
impõe. “Esquenta teu jantar e vai comer na cozinha. Frita um ovo pra inteirar”.
Já não lhe tem as partes íntimas asseadas por mãos de mucamas sem nome (Fulana),
mas...mas só faltava essa.
Oxalá a PEC das domésticas
moralize as relações e ratifique esta convivência no lar como uma relação de
trabalho onde se realizem com severidade o respeito, as obrigações, os
direitos.
Minha irmã me conta cada
história da grã-finagem, mas a melhor delas é ter levado a filha a ter duas
faculdades, é ter feito dos sofrimentos razões para lutas ferrenhas e gloriosas
vitórias.
Eu deveria contar um
segredo sobre o glorioso Internacional da Mauriti. Mas não, hoje não. Hoje
estou atento ao zunzunzum das consciências coletivas.
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