A travessia da baía e uns
dinheiros de bubuia
Eu
tenho uma rede. Aquela de esticar o espinhaço no feriadão e a outra, aquela que
chamo de parceirada, conhecida também por network.
Nesta
minha lida de escrever e coisa e tal, meu network tem cortado e arado. Uma
articulação em torno do meu trabalho, sempre há, e me deixa lisonjeado, bestão
mesmo de tanta consideração. Não escapo, porém, a tropeções, porque digo sempre:
um pobre é a representação da antítese. É o embate de sortes, a contradição de
intentos.Tem uma rede? Tem. Mas às
vezes, despenca dela. Sempre tem uma adversativa na vida do pobre.
Certa
vez, minha rede me levou a Abaetetuba. Campus da Federal. Pessoal de Letras
fazendo uma Semana Literária. Fui convidado para... não sei bem para quê fui
convidado, mas aproveitando meus quinze minutos de fama fui disposto a tudo.
Fazer uns passinhos de dança, jogar malabares, bater uma viola, falar sobre meu
processo de criação, discorrer sobre minha maior premiação, o conto “A filha do
holandês”, conferida pela própria Federal.
Era
um evento acadêmico. Doutor a dar na canela. Os capas da teoria literária
estavam lá. E eu, ó, fui me encolhendo, me abeirando, me acudindo à sombra
protetora d’A Filha do holandês. Minha participação não tinha horário definido
e eu fiquei lá e cá. Aproveitei e tentei aprender um pouquinho dos termos e
causas do fazer literário nas oficinas. A estrela do evento era o professor
Silvio Holanda, agudíssimo em dissecar a obra de João Guimarães Rosa. Um
passarinho me soprou que depois das exposições do professor, seria minha vez. Quanta
responsa! Como leitor apaixonado por “Grande Sertão...”, participei de todas as
mesas comandadas por Silvio Holanda. O tempo passou, o horário dele montou no
meu, a garotada interessada (e eu também). O previsível aconteceu. Balaram
minha apresentação. Havia um último horário, uma última mesa a se formar, mas
deram preferência a um grupo de linguistas que deveria voltar na mesma pisada
para Belém. A mim, me restou a humilde aquiescência e uma pontinha de
indignação. Afinal me tiraram da minha folga, do convívio com minha família, de
uma ou outra obrigação social, me envolveram numa programação acadêmica da qual
me sentia anos luz de distância no entendimento e na percepção, me deixaram bestando
sob a luz das primeiras estrelas com minha “...Filha do Holandês” no colo, sem
nem saber como voltar de Abaeté para casa.
Acabei
ficando para a noite cultural e depois de umas quantas caipirinhas, tomei
coragem e abri meu coração para a coordenação do evento. Estava desprevenido de
grana para bancar a noite ali. Eles se compadeceram. Arrumaram hotel, um de
cumê e ainda me proveram com um cachê de consolação pela minha participação na...
caipirinha literária.
Na
manhã seguinte, embarquei na primeira viagem para Belém. E constatei: o pobre
(ou um pobre cronista), é sempre subjugado às adversativas. Ganha um
dinheirinho de cachê por conta de uns talentos etílicos que tem? Ganha. Mas na travessia da baía, meu barco foi
assaltado e os ladrões levaram de bubuia minha grana.
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