sábado, 12 de setembro de 2015

crônica da semana - a travessia da baía

A travessia da baía e uns dinheiros de bubuia
Eu tenho uma rede. Aquela de esticar o espinhaço no feriadão e a outra, aquela que chamo de parceirada, conhecida também por network.
Nesta minha lida de escrever e coisa e tal, meu network tem cortado e arado. Uma articulação em torno do meu trabalho, sempre há, e me deixa lisonjeado, bestão mesmo de tanta consideração. Não escapo, porém, a tropeções, porque digo sempre: um pobre é a representação da antítese. É o embate de sortes, a contradição de intentos.Tem uma rede? Tem. Mas às vezes, despenca dela. Sempre tem uma adversativa na vida do pobre.
Certa vez, minha rede me levou a Abaetetuba. Campus da Federal. Pessoal de Letras fazendo uma Semana Literária. Fui convidado para... não sei bem para quê fui convidado, mas aproveitando meus quinze minutos de fama fui disposto a tudo. Fazer uns passinhos de dança, jogar malabares, bater uma viola, falar sobre meu processo de criação, discorrer sobre minha maior premiação, o conto “A filha do holandês”, conferida pela própria Federal.
Era um evento acadêmico. Doutor a dar na canela. Os capas da teoria literária estavam lá. E eu, ó, fui me encolhendo, me abeirando, me acudindo à sombra protetora d’A Filha do holandês. Minha participação não tinha horário definido e eu fiquei lá e cá. Aproveitei e tentei aprender um pouquinho dos termos e causas do fazer literário nas oficinas. A estrela do evento era o professor Silvio Holanda, agudíssimo em dissecar a obra de João Guimarães Rosa. Um passarinho me soprou que depois das exposições do professor, seria minha vez. Quanta responsa! Como leitor apaixonado por “Grande Sertão...”, participei de todas as mesas comandadas por Silvio Holanda. O tempo passou, o horário dele montou no meu, a garotada interessada (e eu também). O previsível aconteceu. Balaram minha apresentação. Havia um último horário, uma última mesa a se formar, mas deram preferência a um grupo de linguistas que deveria voltar na mesma pisada para Belém. A mim, me restou a humilde aquiescência e uma pontinha de indignação. Afinal me tiraram da minha folga, do convívio com minha família, de uma ou outra obrigação social, me envolveram numa programação acadêmica da qual me sentia anos luz de distância no entendimento e na percepção, me deixaram bestando sob a luz das primeiras estrelas com minha “...Filha do Holandês” no colo, sem nem saber como voltar de Abaeté para casa.
Acabei ficando para a noite cultural e depois de umas quantas caipirinhas, tomei coragem e abri meu coração para a coordenação do evento. Estava desprevenido de grana para bancar a noite ali. Eles se compadeceram. Arrumaram hotel, um de cumê e ainda me proveram com um cachê de consolação pela minha participação na... caipirinha literária.

Na manhã seguinte, embarquei na primeira viagem para Belém. E constatei: o pobre (ou um pobre cronista), é sempre subjugado às adversativas. Ganha um dinheirinho de cachê por conta de uns talentos etílicos que tem? Ganha. Mas na travessia da baía, meu barco foi assaltado e os ladrões levaram de bubuia minha grana.

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