Navegar é Preciso
Uma
aventura inconseqüente. Esta é a primeira impressão que temos ao nos depararmos
com os relatos de Amyr KlinK sobre a sua louca travessia do Atlântico.
Mas
valeu a pena?
E
o navegador introduz a sua saga com os versos de Fernando Pessoa na edição do
livro Cem dias entre o céu e o mar (Companhia de bolso, 2005): “tudo vale a pena se a alma não é
pequena”.
Em
10 de julho de 1984 um brasileiro incompreendido zarpava sozinho do litoral
africano em direção à costa brasileira, pilotando um pequeno barco a remo.
Os
momentos dessa viagem, mesmo aquelas coincidências que se anteciparam a partida,
até os pormenores operacionais em meio à grandiosa massa de água atlântica são
descritos com muita propriedade e concisão no livro, pelo navegador solitário.
O
suspense, a emoção, o vislumbre de um mundo de água, para nós distante. Os
fenômenos naturais anticiclônicos do Atlântico sul, a explicação para a
descoberta (sem muito esforço, vá lá), do Brasil; a história regada pelo
cientificismo náutico inaugurado pelos portugueses, são ingredientes que atraem
e nos prendem a atenção numa leitura prazerosa. Nos levam sem medos ao mar sem
fim de Diogo Cão e Fernando Pessoa.
Enfim,
quando aportou na praia da Espera, litoral baiano, Amyr havia cumprido uma aventura
impensada por qualquer um de nós pobres mortais. Havia desafiado a solidão e
encontrado motivos dos mais simples, no meio do mar, para perseverar.
Os
relatos de Amyr, além de esclarecedores sobre a dinâmica das rotas oceânicas são
uma vitamina para a alma. São aditivos para
superar as nossas fraquezas tão rotineiras. Afinal de contas no nosso dia-a-dia
não nos deparamos ocasionalmente com nenhuma baleia de 20 metros ou com uma vuca
de tubarões nada amistosos. No nosso vaivém diário não nos vemos emborcados por
uma onda salgada de 8
metros . Amyr tirou de letra estas situações acreditando
em si mesmo, em seus estudos e em sua capacidade. Mas acima de tudo na sua
sanidade física e mental. Puro e legítimo controle de si. Isso o livro nos
ensina.
Já
encostando na praia de Salvador Amyr foi abordado por um barco de pescadores.
Perguntaram como foi a pescaria. Ele disse que não havia pescado nada. E de
onde vinha? completaram os pescadores. Da África, respondeu Amyr. E esta praia
é muito longe? Inquietaram-se os homens do mar. Um pouquinho. Um pouquinho
longe, devolveu Amyr, com incontida alegria por avistar ao largo, os primeiros
coqueiros em terra firme.
Cem dias entre o céu e o mar é uma odisséia moderna
cheia de surpresas e perigos suportáveis apenas por heróis. Amyr cruzou da
África para o Brasil num pequeno barco utilizando as correntes de deriva, muita
técnica, mas acima de tudo valendo-se da fé num credo antigo que reza que
‘navegar é preciso’.
(E
por falar nisso, vou aqui deixar uma pulga a incomodar as orelhas mais
curiosas: a frase “navegar é preciso...” é creditada, pelos mais novos ou mesmo
por aqueles tropicalistas de fim-de-semana-na-casa-do-tio-ouvindo-aqueles-discos-antigos
ao baiano Caetano Veloso, por causa, é claro, da canção ‘Os argonautas’. Já os
mais zelosos reconhecem a frase como um raio humanista deflagrado pelo
eletrizado espírito poético de Fernando Pessoa. Só que, lendo aqui e ali,
pesquisando acolá, dei com uma origem um tanto Antiga para esta frase tão atual. Diz-se que ela vem lá de Roma.
Foi proferida pelo general Pompeu em uma de suas batalhas pela pax no império. Eu fico com o Fernando pessoa porque sou poeta-parcial, mas
enfim, se ‘navegar é preciso’ e ‘viver não é preciso’, a pulga incomoda).
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