terça-feira, 15 de setembro de 2015

crônica remix - cem dias

Navegar é Preciso
Uma aventura inconseqüente. Esta é a primeira impressão que temos ao nos depararmos com os relatos de Amyr KlinK sobre a sua louca travessia do Atlântico.
Mas valeu a pena?
E o navegador introduz a sua saga com os versos de Fernando Pessoa na edição do livro  Cem dias entre o céu e o mar (Companhia de bolso, 2005): “tudo vale a pena se a alma não é pequena”.
Em 10 de julho de 1984 um brasileiro incompreendido zarpava sozinho do litoral africano em direção à costa brasileira, pilotando um pequeno barco a remo.
Os momentos dessa viagem, mesmo aquelas coincidências que se anteciparam a partida, até os pormenores operacionais em meio à grandiosa massa de água atlântica são descritos com muita propriedade e concisão no livro, pelo navegador solitário.
O suspense, a emoção, o vislumbre de um mundo de água, para nós distante. Os fenômenos naturais anticiclônicos do Atlântico sul, a explicação para a descoberta (sem muito esforço, vá lá), do Brasil; a história regada pelo cientificismo náutico inaugurado pelos portugueses, são ingredientes que atraem e nos prendem a atenção numa leitura prazerosa. Nos levam sem medos ao mar sem fim de Diogo Cão e Fernando Pessoa.  
Enfim, quando aportou na praia da Espera, litoral baiano, Amyr havia cumprido uma aventura impensada por qualquer um de nós pobres mortais. Havia desafiado a solidão e encontrado motivos dos mais simples, no meio do mar, para perseverar.
Os relatos de Amyr, além de esclarecedores sobre a dinâmica das rotas oceânicas são uma vitamina para a alma. São aditivos para superar as nossas fraquezas tão rotineiras. Afinal de contas no nosso dia-a-dia não nos deparamos ocasionalmente com nenhuma baleia de 20 metros ou com uma vuca de tubarões nada amistosos. No nosso vaivém diário não nos vemos emborcados por uma onda salgada de 8 metros. Amyr tirou de letra estas situações acreditando em si mesmo, em seus estudos e em sua capacidade. Mas acima de tudo na sua sanidade física e mental. Puro e legítimo controle de si. Isso o livro nos ensina.
Já encostando na praia de Salvador Amyr foi abordado por um barco de pescadores. Perguntaram como foi a pescaria. Ele disse que não havia pescado nada. E de onde vinha? completaram os pescadores. Da África, respondeu Amyr. E esta praia é muito longe? Inquietaram-se os homens do mar. Um pouquinho. Um pouquinho longe, devolveu Amyr, com incontida alegria por avistar ao largo, os primeiros coqueiros em terra firme.
Cem dias entre o céu e o mar é uma odisséia moderna cheia de surpresas e perigos suportáveis apenas por heróis. Amyr cruzou da África para o Brasil num pequeno barco utilizando as correntes de deriva, muita técnica, mas acima de tudo valendo-se da fé num credo antigo que reza que ‘navegar é preciso’.

(E por falar nisso, vou aqui deixar uma pulga a incomodar as orelhas mais curiosas: a frase “navegar é preciso...” é creditada, pelos mais novos ou mesmo por aqueles tropicalistas de fim-de-semana-na-casa-do-tio-ouvindo-aqueles-discos-antigos ao baiano Caetano Veloso, por causa, é claro, da canção ‘Os argonautas’. Já os mais zelosos reconhecem a frase como um raio humanista deflagrado pelo eletrizado espírito poético de Fernando Pessoa. Só que, lendo aqui e ali, pesquisando acolá, dei com uma origem um tanto Antiga para esta frase tão atual. Diz-se que ela vem lá de Roma. Foi proferida pelo general Pompeu em uma de suas batalhas pela pax no império. Eu fico com o Fernando pessoa porque sou poeta-parcial, mas enfim, se ‘navegar é preciso’ e ‘viver não é preciso’, a pulga incomoda).

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