Seu
Vira-porco e a mata da Primeira légua
Eu
tinha medo que me pelava de passar perto daquela mata que se estende além da
Doutor Freitas. Mamãe dizia que ali era terra de encantados e que de tudo
quanto era visagem, assombração e espírito havia por aquelas bandas. Jurava de
pé junto que o manto verde que se erguia à beira da pista era a porta de
entrada do desconhecido e do inacreditável. Éraste, chega só de falar me dá um
arrepio!
(A
área que fica à margem da Dr. Freitas demarca o primeiro limite urbano
estabelecido para Belém, ainda no tempo das Sesmarias. Traçado em arco
orientado por um raio de 6.600 metros, com centro no Forte do Castelo, compõe a
extensão de uma légua. Ainda hoje, um marco de concreto sinalizando o máximo
urbano da cidade está cravado ali, na Bandeira Branca; e com nome e sobrenome
de Marco da Primeira Légua Patrimonial, é a origem do topônimo de um bairro residencial
de Belém. Durante muito tempo, o que havia adiante da primeira légua era a mata
densa, o rumo de Bragança e os medos coletivos).
A
floresta se estendia desde Val de
Cans até a margem do Guamá, lá pras bandas do Agronômico. Hoje, depois das
pressões urbanas, apresenta rasgos salteados, desmatados, ocupados e
redesenhados em novos bairros.
No final da Pedro Miranda ainda há o manto verde.
Só
que de primeiro, não era assim como hoje. Antigamente os medos eram produzidos
por menções e fantasias partilhadas. A molecada amofinava antes das dez da
noite, só de pensar nos escurinhos do final da Pedro Miranda, e nos perigos que
eles abrigavam.
Eu
era menino impressionado, criança ainda, crente e ciente das criações do
imaginário. Certa vez, tive que curar um golpe deste tamanho que eu tinha
arrumado no pé quando pisei num caco de vidro, na bola que rolava em um aterro
de caroço de açaí que tinha bem defronte de casa. Irmã Clara, que de todos
cuidava, me recebia cedinho, no Centro Auxilium. Fazia o curativo, dava uma injeção
pra não infeccionar aquela ferida beiçuda, e um ralho pela minha peraltice.
Aconteceu
de uma chuva fina que tilintou ritmada durante a noite toda no telhado de casa,
varar o dia. Tive que me abalar naquele chuvisco, me equilibrando nas pontes
que remedavam um caminho para fazer o curativo. Manhã gris. Ninguém na rua. No
que chego à esquina, vejo um vulto saindo da mata. Corri os olhos ao largo e
uma viva alma que me valesse, vi pela rua. Firmei o passo em direção ao colégio
das irmãs, e nesse momento notei um porco deste tamanhão se aproximando. Imenso,
de movimentos lerdos, mas decididos. Veio em minha direção e estava em tempo de
me pegar.
Minha
mãe maldava de um vizinho solitário que virava porco. Havia história dele sumindo
na mata e, coincidentemente, logo depois do sumiço, as pessoas ouviam um fuçado
para além das matas da primeira légua.
Corri,
corri, quando cheguei, me joguei nos braços da irmã Clara, em choque. Contei a
história, ela juntou as irmãs, os funcionários e desceram para a rua. Lugar
mais limpo. Ninguém. Nem porco, nem gente. Só a chuva fina, o eco e os causos.
Ota bravos, esta Pedreira que me inunda o imaginario... o homem que virou porco, depois desvirou?
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