Bobas curiosidades (ou flexão
dos cardinais)
Eu
ainda não contei até três bilhões, quinhentos e vinte e nove milhões, doze mil,
cento e quatro unidades simples, por isso não posso arriscar se acerto no cravo
ou na ferradura. Então vamos assim, de pouquinho em pouquinho...
A
gente sai por ali salteando entradas nos empórios do Veropa e arremata um
candeeiro, uma bacia. Um pente de plástico azulzinho, uma grosa de grampos. Um
espelhinho com desenhos na moldura, uma xícara de florzinha com os dizeres “à
querida mamãe”. Um saquinho de canforina, uma peça de fazenda estampada. Um
balde de zinco pequeno, uma garrafa térmica barata. Um envelope de Boa Noite
para espantar carapanãs, uma rosquinha sobressalente para a máquina de moer
carne. Atravessa para a feira.
Compra
um saco reforçado no saqueiro, contrata um carregador com carrinho de mão no
jeito, e desbrava os corredores ziguezagueando entre as barracas, buscando os
preços mais em conta. E vai recolhendo: um mamão bem macio, duas pencas de
banana. Um punhado de pimentas amarelinhas, duas dúzias de ovos. Um quilo de
goma pra fazer tapioca, duas medidas apuradas de tucupi. Um maço de cheiro
verde, duas latas de muruci bem medidas. Um paneiro de caranguejo, duas sacas
de farinha. Encosta numa barraquinha de lanche. Um suco de cupuaçu, um de
taperebá, duas coxinhas, uma garrafinha d’água, duas mentas.
Dá
pra gente tirar por esta prosa no Veropa, que para sinalizar a quantidade de
produtos comprados, pontuei o texto com os números cardinais um e dois e as
variações que acho que atendem ao feminino: uma, duas.
Agora
faz de conta que nas minhas compras, adquiri mais de dois produtos. Minha
contagem ficaria assim:
Três
pentes... dezenove grosas de grampos... trinta e cinco espelhinhos...Um milhão
de xícaras...
Aí
na xícara já está bom. Já dá pra ilustrar como é a natureza escalar da nossa
língua e como este perfil de notações se define em gênero quase que
exclusivamente masculino.
Não
dizemos dezenovas grosas de grampos e nem uma milhona de xícaras, nem duas
milhões de xícaras. A variação na notação numérica não ultrapassa as duas
unidades. Um pente, duas xícaras. A partir do número dois, a contagem numérica
não exibe mais o sentimento, a impressão feminina. Não se atém a gênero e se se
atém, atêm-se, mesmo que sutilmente, ao gênero masculino ou a imparcialidade
comum de dois gêneros: treze alunos, treze alunas.
Lá
pela casa da centena a variação é novamente percebida. Duzentas pessoas,
quinhentas vezes, novecentas ideias. Mas depois das centenas...
Hummm...Não
sei.
Não
sei se acerto no cravo ou na ferradura, não contei elementos de gêneros
diferentes até a distância de três bilhões, quinhentos e vinte e nove milhões,
doze mil, cento e quatro unidades simples. Se alguém quiser tentar, me ajude,
por favor, e me volte com o resultado, tá. Sou dado a essas bobas curiosidades.
Detalhe:
a resposta vai demorar. Estudos indicam que, contando de um em um, a gente
chegaria na casa dos três bilhões em aproximadamente 100 anos. Tenho a
impressão que não vou alcançar a resposta.
Deve ser por conta disso que a língua inglesa é a mais bem aceita e funciona como uma espécie de tentativa de unificação da comunicação, pois é bem mais simples para as coisas mais elementares, como os números. Também deve ser por este mesmo motivo que a língua portuguesa está na posição das mais difíceis...
ResponderExcluirpreciso do seu contato para show.
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