sexta-feira, 28 de outubro de 2011

crônica da semana- quem desconfia

Quem desconfia fica sábio
Eu me pelo de medo de ser injusto com as pessoas e com as coisas. E de ser metidão, ser arrogante. Não aprovo qualquer tipo de ataque gratuito (os descabidos, ressalte-se. Posto que, reconheço ataques justificáveis, dos quais, uma horinha ou outra, temos que lançar mão para nos defender. Porque abilesados, também não podemos ser, né’mesmo?).
Tenho o maior ‘coidado’ nas críticas. Procuro ser embasado, elegante e sutil, para alertar, ou até mesmo atacar, e não machucar (ou não machucar tanto, porque sei o estrago que o veneno das palavras faz).
Já andei detonando com coisas e gentes por aí e a vida me ensinou o caminho da cautela. De vez em vez, ainda reino em fazer uma arenga, uma desgovernada verborragia em homenagem a um desafeto, mas antes de dar o bote, olho pra mim. Meço minhas travas, calculo meus valores. Há o risco de, desgraçadamente, eu e meu desafeto, sermos ali, pertinho que só de iguais em teres e haveres.
E se estão pensando que isto é um testemunho de pureza, digo que nem tanto, mas é uma franca confissão: desconfio dos meus repentes, das minhas crenças, e das minhas vontades. Assim, perscrutando, assuntando, desconfiando, procuro ser sábio. É a minha luta diária, entender o ensinamento do Riobaldo, personagem embrutecido-cândido criado por Guimarães Rosa para nos mostrar que há sabedoria na simplicidade. A frase aí do título é dele.
Um alerta: consigo identificar estas fragilidades na contenção do fluxo verbal, nos outros. E com isso, aprendo também. Dia desses, li de um certo alguém, uma passagem nestes termos: “eu odeio pessoas que falam ‘a gente fomos’; ‘pra mim fazer’; ‘vamos se aprontar’; ‘o pessoal chegaram’...essas pessoas não se tocam, deveriam procurar conhecer mais a língua...”.
E essa pessoa aí que não tem noção do que diz, continuou a desfolhar a sua indignação com o acréscimo, no meio da prosa, desta frase perolada: “não é fácio mesmo essa situação”.
A gente percebe que o nervosismo e a intolerância, na crítica ao modo de falar de nossas camadas populares expõem a natureza desleixada do autor desta declaração. A gente intui que por não saber a fronteira entre a oralidade (“odeio pessoas que falam”) e a linguagem escrita, esta pessoa não tá nem aí para a argumentação científica sobre os fenômenos da comunicação. Nunca leu Ferdinand de Saussure e nem mesmo o nosso amado/odiado Marcos Bagno. Quando sugere que “essas... pessoas precisam conhecer mais a língua”, o autor da devassa piora tudo. Junta alho com bugalho, pois que, segundo o próprio Saussure, Língua e fala compõem sistemas distintos. Por fim, a gente interpreta que uma pessoa que faz uma cobrança, cara por sinal, do o uso da norma culta na língua falada e grafa o adjetivo ‘fácil’ com ‘o’, não se conhece a si mesma. Não percebe (mostra-se intolerante, preconceituosa, metidona) mas é igual a tantos quantos (e talvez isso lhe arda).
O que dá pra desconfiar (e desconfiando a gente vai se ajeitando a ser sábio) é que uma pessoa que demonstra seus descontentamentos com a fala popular, desta maneira, jamais se permitirá o prazer de ler um clássico como “Grande Sertão:Veredas” (de onde tirei o título para esta crônica). Na certa, fechará o livro, e para nunca mais reabri-lo, na primeira ‘parna’, porque vai desentender que lá, do hio ao chio, tá tudo mais que conforme com o siso. Esta pessoa não vai sacar as variações semânticas que tecem de ouro o texto de Guimarães Rosa (que peninha, que peninha!).
Resumindo a ópera, é um serzinho gito de tino e de jeito que pensa que tem, mas não tem um isso que periquito roa; um ente que só quer ser o que a folhinha do ano não marca.
Eu ‘disconcordo’ com alguns dizeres populares, o que não quer dizer que não os ache simpáticos (vez sim, vez também, vou catá-los no meio da multidão para temperar meus escritos). Como escrevo em jornal e sei que tenho uns quantos leitores, tomo todo o ‘coidado’ para definir as fronteiras (até já fiz curso gabaritado, com embainhamento acadêmico e tudo, sob a direção ilustrada da professora Alessandra Mattos Vasconcelos, tratando do delicado nicho das Letras e das Gramáticas). Mas, mesmo quando sisqueço e não cuido, deixo ao calibramento dos leitores. Eles sabem...
Reconhecendo minhas travas...desconfiando, vou clareando minh’alma e me achegando  a sábio, a simples e, ora, ora, às coisas e às gentes...

2 comentários:

  1. De alma lavada agora?
    Todo mundo fala e escreve errado.
    "MENAS EU"
    Beijim

    Ass: Alê

    ResponderExcluir
  2. Uma reflexão no fundo da alma rosiana...Nonada!!!
    Roger Normando

    ResponderExcluir