ENCHENTES: AJARDINEM SUAS CALÇADAS (2)
Com o artigo anterior, ENCHENTES: NÃO TIREM A SERAPILHEIRA, iniciamos uma série de textos dedicados à demonstração da importância das medidas ditas não estruturais no combate às enchentes urbanas. Esses textos estão concebidos para, o mais didaticamente quanto o espaço permite, orientar ações técnicas que podem perfeitamente ser adotadas pela sociedade e pelas administrações públicas desde já, por sua simples deliberação, sem nenhuma necessidade burocrática que os desestimule a tanto.
Hoje falaremos das calçadas drenantes e das sarjetas drenantes. Mas antes vamos recuperar o que, no primeiro artigo, já foi esclarecido sobre as principais causas das enchentes urbanas. E vamos todos também saber que as medidas não estruturais são aquelas que, inteligentemente, atacam diretamente as causas das enchentes e não somente suas conseqüências.
Sobre as principais causas de nossas enchentes urbanas não há hoje mais a menor dúvida sobre quais sejam: a impermeabilização generalizada da cidade, o excesso de canalização de cursos d’água e a redução da capacidade de vazão de nossas drenagens pelo volumoso assoreamento provocado pelos milhões de metros cúbicos de sedimentos que anualmente provém dos intensos processos erosivos que ocorrem nas frentes periféricas de expansão urbana.
Esse quadro determina o que podemos chamar a equação das enchentes urbanas: “Volumes crescentemente maiores de água, em tempos sucessivamente menores, sendo escoados para drenagens naturais e construídas progressivamente incapazes de lhes dar vazão”.
Para se ter uma idéia da dimensão desse problema da impermeabilização considere-se que o Coeficiente de Escoamento - índice que mostra a relação entre o volume da chuva que escoa superficialmente e o volume que infiltra no terreno - na cidade de São Paulo está em torno de 80%, ou seja, 80% do volume de uma chuva escoa superficialmente e segue rapidamente para o sistema de drenagem. Em uma floresta, ou um bosque florestado urbano, acontece exatamente o contrário durante um temporal, o Coeficiente de Escoamento fica em torno de 20%, ou seja, cerca de 80% do volume das chuvas é retido.
Diante de um cenário assim colocado, qual seria a providência mais inteligente e imediata para combater as enchentes (e que estranhamente as administrações públicas, todas muito simpáticas às grandes obras e aos seus impactos político-eleitorais, não adotam)? Claro, sem dúvida, concentrar todos os esforços em reverter a impermeabilização das cidades fazendo com que a região urbanizada recupere sua capacidade original de reter as águas de chuva, seja por infiltração, seja por acumulação. Concomitantemente, promover um intenso combate técnico à erosão provocada por obras pontuais ou generalizadas de terraplenagem. Ou seja, fazer a lição de casa, parar de errar. Parece fácil, mas não é. Essa mudança de atitude exigirá uma verdadeira revolução cultural na forma como todos, especialmente nossa engenharia e nosso urbanismo, até hoje têm visto suas relações com a cidade.
Tomada a decisão dessa mudança cultural, haverá à mão, inteiramente já desenvolvido, um verdadeiro arsenal de expedientes e dispositivos técnicos para que esse esforço de redução do escoamento superficial das águas de chuva seja coroado de sucesso: calçadas e sarjetas drenantes, pátios e estacionamentos drenantes, valetas, trincheiras e poços drenantes, reservatórios para acumulação e infiltração de águas de chuva em prédios, empreendimentos comerciais, industriais, esportivos, de lazer, multiplicação dos bosques florestados, ocupando com eles todos os espaços públicos e privados livres da cidade.
E então chegamos ao ponto. Considerada essa enorme importância em reter águas de chuva faz sentido que nossas calçadas sejam em sua quase totalidade totalmente impermeáveis? Somente a cidade de São Paulo tem cerca de 17 mil quilômetros de ruas. Obviamente, há nesse conjunto ruas e calçadas de todos os tipos, mas vamos considerar que em ao menos metade dessa extensão total haja condição de se implantar faixas permeáveis nessas calçadas, com largura média de 1 metro (sempre com o cuidado de se manter uma faixa cimentada lisa mínima de ao menos 0,80m para o trânsito de uma cadeira de rodas). Teríamos então algo como 17.000.000 m2 (consideradas as duas calçadas de cada via) de áreas francamente apropriadas para absorver e reter águas de chuva.
Para o estímulo á adoção dessa simples e agradável providência, uma boa idéia seria haver um incentivo tributário para o proprietário frontal implantá-las e mantê-las. Medida isoladamente suficiente para evitar enchentes? Claro que não, mas que, se consideradas como parte de um enorme conjunto de outras medidas não estruturais de mesma natureza, seguramente vão mudar a história desses fenômenos urbanos.
Vamos a um outro ótimo expediente, as sarjetas drenantes. As águas de chuva que caem sobre a cidade em algum momento correm sobre sarjetas, hoje paradoxalmente totalmente impermeáveis. Sarjetas orientadamente projetadas para permitir a infiltração e até a acumulação de águas de chuva funcionariam como verdadeiras armadilhas para a redução do escoamento superficial (...) Em um programa de implantação progressiva dessas sarjetas drenantes, e ainda usando o exemplo da cidade de São Paulo, teríamos ao final a colossal extensão de 34 mil quilômetros de um ótimo expediente de retenção de águas de chuva.
No próximo artigo trataremos de outras medidas não estruturais de combate às enchentes, os reservatórios domésticos e empresariais.
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
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