Sinal fechado (Olá, como vai)
Quando nos encontramos no shopping, a pressa comandava o fim de tarde e as palavras saíram atropeladas, imbricadas. Os dizeres brotavam sobrepostos, pressionando o ar, comprimindo a compreensão, numa confusão cheia de graça e risos generosos. Havia, porém, um quê de felicidade recíproca naquele discurso sem fio condutor. Olhos brilhando de alegria. Recordando, atualizando, revivendo...
Nossos olhares surpresos uniram-se num feixe luminoso que se dissipou em milhares de cores, pelos caminhos da Pedreira em tardes inocentes, à margem da Marquês de Herval...
Vivíamos sombreados por cajueiros nos quintais e pela mangueira do seu Paulo, lá do outro lado da avenida, que abrigava a orgia, os marmanjos que não tinham o que fazer e a intelectualidade da rua, em horários distintos e bem acertados. A rua era de piçarra vermelha, lisa e liguenta, com enormes rasgos erodidos pelas águas de março. Apenas caminhos estreitos nos serviam (num serpenteio o tanto certo pra passar o carro da Assistência), margeados por mata rala e inumeráveis pés de camapu. Uma ilha de terra bem batidinha aqui e outra acolá, servia de campinho para o futebol, ou para o cemitério, ou para a bandeirinha, ou para a pira-mãe (divertimentos de quem não tinha televisão).
Seu Muniz era um nobre. Dona Lina, uma dama. O casal se destacava naquele perímetro da Marquês em que valores como solidariedade, amizade, cuidado e atenção faziam parte da relação entre vizinhos. Formavam no círculo de amizade de minha avó e logo estenderam seu apreço, também, àquela leva de acreaninhos vindos das brenhas dos seringais. Tinham piscina e abriam o coração e a porta da casa para a garotada da rua se divertir. Dona Lina e Seu Muniz formavam um casal tradicional, de muitos filhos e eles participavam também dos mergulhos e das brincadeiras. Na hora da algazarra, eram os pri.
O tempo se encarregou de dar sentido às coisas. Todos eram batalhadores (mamãe, Seu Muniz, Dona Lina). Trabalhadores humildes que suavam para garantir o de comer e um algo mais para os filhos. Nada era, de jeito e maneira, fácil ou farto.
Mudamos de casa umas quantas vezes. Viramos a Pedreira do io ao chio, mas sempre perto, sempre nos encontrando. Minha mãe, na lida diária, juntava as marretagens que tinha, calçava a chinelinha baixa e ganhava o mundo. No roteiro, sempre a Marquês de Herval.
A casa de Dona Rosalina Muniz era parada obrigatória. Ela, numa rotina de anos e anos, sempre comprava uma coisinha da mamãe, pra ajudar. Mas era, além de freguesa, uma amiga. A prosa rolava, vinha o café, uma ou outra combinação de visita. A piscina havia desaparecido e a fantasia de criança se desfeito, mas os filhos acabavam se encontrando, pelas escolas da Pedreira, na feira, nos campinhos da rua. Na parada do ônibus...
O mundo vai se mostrando cada vez mais real e exigente. As lutas diárias erguem-se, cada dia, mais ferozes. E os meninos procuram rumo. Almejam crescer. Esforçam-se para vencer obstáculos.
Houve uma época em que eu pegava o ônibus junto com a Helena. Ela ia pra Federal e eu pra Escola Técnica. Ela encarava uma barra na Universidade, naquele tempo. Não havia ônibus direto. Tinha que bancar dois. Um sacrifício de grana (não tinha meia-passagem), de tempo, de conforto...Não havia o RU...Fazia Direito.
Quando eu vejo a Doutora Helena Muniz em evidência (por força do cargo que ocupa, já que de outra forma jamais o faria, posto que vaidade não é a sua arte) fazendo uma declaração na grande imprensa, lembro dessas coisas. E sinto um orgulho danado dela. Minha amiga de infância. Uma vencedora.
Era isso que eu queria dizer pra ela no shopping, naquela tarde comandada pela pressa, mas me perdi em dizeres, com todo direito, confusos.
paidégua!
ResponderExcluirZé Maria(pirão de feijão)