Mingau de milho matizado com canela
Já
vi reações à quadra junina. Entretanto, pelo menos ao aluá, o desgostoso da vez
quedou-se. Não encontrei jamais na vida alguém que relegasse ao desprezo, no
pacote, todas as manifestações culturais das festas de São João. Semana passada,
topei com este exemplar raro de crítico cultural. Eita. Me tremi dos pés à
cabeça de indignação. Porque sou fã número 01 dos folguedos de junho.
A
vida exige da gente tolerância, compreensão, prudência, uma elevação de alma na
altura certa a nos dar conviver em sociedade. Mesmo que nos batendo diariamente
com opiniões, convicções, posições políticas e ideológicas, gostos musicais,
times de futebol diferentes, doce-amargos, cores preferidas. Ante tantos
conflitos e desencontros, temos que respirar, engolir sapos, contar até 10 bilhões,
e em nome da paz, relevar, fazer que não ouviu esta ou aquela afronta, isto ou
aquilo de mentiras, e ainda tantos aquil’outros negacionistas e fatalistas.
Agora, saber de uma pessoa, num tom até de indisfarçável soberba, que ela não
gosta de nada da quadra junina: roupas, danças, músicas, encenações, bebidas,
artes em miriti, as brincadeiras do pau de sebo e do quebra-pote no dia de São
Pedro, no Mercado da Pedreira... do Pavulagem... estalinho, estrelinha... nada!
Não dá não. Não tem espírito santo que ature o bruto molde, a tamanha rigidez
na personalidade.
Além
da alta sofisticação criativa, a atmosfera desta época refaz a história,
reintegra nossas lembranças. A quadra se explica emocionalmente porque é festa
muito ligada à família. Em mim, remonta há bons trinta, quarenta anos. Os eventos
eram concentrados nos bairros e, mesmo, no leito das ruas. Vários terreiros
eram formados, tudo acontecia na frente das nossas casas. O terreiro da Pedro
Miranda era famoso. Descia da Lomas até a Itororó. Tinha alvará da prefeitura,
a permissão da central de polícia, o consentimento dos moradores, e se dava
tudo nos conformes. A comunidade se envolvia. Eu mesmo fui atrás de muita palha
de açaí para fazer a decoração. Outros integravam-se à turma que cercava o
estirão da rua. Havia os especialistas para contratar o melhor e mais barato
sonoro. Quem quisesse colaborar, assumia uma venda certa de cartelas que davam
direito à entrada na festa, à mesa para quatro, e por vezes, umas geladas e uma
porção de comida típica da época.
Dançava-se
muito, e muito bem nessas festas. Casais se contratavam para rabiscar o asfalto,
só na caté, a noite toda. Uma outra parte que não tinha par fixo, se lançava
aos encontros circunstantes, em solicitações educadas para a contradança,
normalmente, feitas pelo cavalheiro. Aí, ia da dama, aceitar ou não aquele par.
Entre uma e outra sequência de músicas dançantes que o rapaz do som selecionava
com extremada sensibilidade, e antevisão de oportunidade para algum casal colar
na festa, uma Quadrilha, um Pássaro, personagens folclóricos da época se
apresentavam. Aqui, acolá, uma rodada de mingau de milho na cuia com uma
poeirinha de canela pra matizar a gostosura.
Mamãe
que não perdia uma chance de ganhar um numerário, também via grandes
oportunidades nas festas de São João. Montava um terreiro todo ano na Vila
Mauriti. Enfeitava de bandeirinhas, folhas de açaizeiro, jogava uma serragem
nas pocinhas de lama e comandava a bilheteria e o bar. Não era uma rua, era uma
vila muito apertadinha. É certo que tinha vizinho que não curtia aquela
arrumação. Se recolhia em casa e ficava no escondidinho da noite. Mas não de
forma ou jeito de desprezar todo o pacote de elementos culturais. Uma horinha
abria a porta, chegava ao balcão da vendinha de mamãe e mergulhava numa bem
medida cuiada de mingau de milho,
matizado prodigamente na canela.
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