Girando com a Terra
Tô
na pista. Voo turbulento. Balancei mas não caí. A vista turvou, boca secou,
beiço branquiçou, suor frio desceu. A mãe do corpo reagiu e quando abri os
olhos, estava de palmo em cima com o Cruzeiro do Sul. A constelação que me
reanimou. A injeção de luz na veia que me trouxe de volta ao mundo maravilhoso,
que abriga e nos oferta coisas belas.
Pensa
que não, é? Pensa que é só um punhado de estrelas no céu que ninguém nem dá as
horas pra elas? Né’não. É revelação, bálsamo, Emulsão de Scott, Vitaminé,
garrafada que a tia faz lá pras bandas do agronômico, cebola no prego, vai-te
mal e mandinga pra lá, sebo de Holanda na bifede, rodela de batata na testa,
multi-mistura da irmã, benzeção no quintal da rezadeira mais antiga do bairro,
boas energias e desejo de saúde em mensagens que chegam de longe. E de longe,
lá de onde nossa imaginação nem consegue chegar, a constelação do Cruzeiro do
Sul é metáfora, é prosa pra dizer, é palavra viva do faz de conta, cantiga de
roda sem herói perto, é esperança que a gente sente, é simbolismo de
reviravolta e de volta para o futuro. Aterrei. Amerissei. Traspassei as nuvens
e dei de encontra com os novos tempos. Com os pés no chão, embora, um, mais
atrás.
O
que aconteceu foi que no início de abril, convivi com a suspeita de um mal
difícil de curar. Aí já viu, né, me entreguei e me dei, compulsoriamente, como
passado pra outra e esquecido. Fiquei num banzo, numa panemice! Suspirei. Recorri
à ciência, confiei, busquei resultados, diagnósticos e me aquietei quando o mal
foi descartado e me aviaria apenas com os tratamentos que a idade, que avança,
exige. À base de medicamentos. Mas o pobre já viu, né, quando descobre um
santo... Tive uma reação tão forte quando tomei a primeira pílula, que atribuí o
passamento ao remédio que deveria me livrar, ora, ora, de todos os males. Corri
pra bula, acionei os universitários e veio o alento: tá no prospecto que são
comuns essas reações no início, mas depois melhora. Minha rezadeira de
confiança complementou o otimismo afirmando que era a mãe do corpo se impondo e
ditando regras de convivência com substâncias novas no organismo. Tornei.
Credito
esses sustos ao meu inferno astral. Maio é tenso. Fico impressionado com as
tantas emoções e de perfis sentimentais demais intensos e próximos. Este ano
então. Meu aniversário, dia 14, caiu no dias das mães, o que já ativa minhas
mais íntimas reações. Some-se aí, a carga de lembrar a data da passagem de
minha mãe, exatamente no dia seguinte, dia 15. E também me vem de volta a
tristeza pela perda do meu companheiro Cláudio Cardoso, no dito dia 15. São
entrelaçados de pirar mesmo. E ainda me aparece a mãe do corpo... Aí não tem ‘as
condição’...
O
que me vale? O Cruzeiro do Sul!
Uma
constelação com tantas estrelas... Minha companheira, minha filha, meu filho,
meu compadre Edir Gaya, doutora Brenda e a netinha Petra.
O
Cruzeiro do Sul, pelos cálculos infinitesimais de consciência e dor que faço,
no silêncio das minhas reflexões, é a prova mais evidente, mais concreta e ao
mesmo tempo abstrata, de que a Terra gira. Desde Galileu, provar que a Terra se
move, foi um grande desafio. Contaram-se quase três séculos além, até que
Foucault demonstrasse a rotação da Terra com a experimentação do famoso
pêndulo.
Anoitecesse
Foucault, o século 20, aqui pelas bandas de Belém, e como eu, abrisse os olhos,
após temores intensos e desse de palmo em cima com o Cruzeiro do Sul, o pêndulo
seria desnecessário. Acompanhando o movimento da cruz, entendemos de duas
formas: ou o céu todo se desloca ou apenas a Terra gira naquele período
sideral. Aí vai da gente.
Eu
e minhas estrelas estamos de volta para o meu futuro. Girando com a Terra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário