Do menor para o maior
A
maturidade alcançada desde domingo próximo passado quando completei sessenta
anos, me confirma uma cisma antiga. Entre tantas personalidades e caracteres, destacam-se
em momentos estes e aqueles específicos, duas bem marcantes. Há um grupo de
pessoas, como eu, até, que quando vai às partes de grande concentração de
gente, tipo um show, jogo de futebol, uma celebração popular, faz questão de
chegar cedo, se posicionar com tranqüilidade e esperar na boa, o início do evento.
Há um outro grupo que não tá nem aí. Chega em cima da hora, vai abrindo
caminho, dando cotovelada, forcejando, deslocando os incautos que chegaram
cedo, como eu, e se arruma o mais perto possível do grande acontecimento. Mas
olha que dou de encontro com essa gente, e não é de hoje.
Em
1980, quando o Papa João Paulo II esteve em Belém, experimentei pela primeira
vez a vexação com esta onda selvagem. Ainda no escuro da madrugada, eu estava
de palmo em cima com o palco montado na Primeiro de Dezembro com a Mauriti.
Houvesse Papa àquela hora, estaria ele ali e eu bem aqui, de confronte. O que
se deu é que lá pelas 7 da noite quando o Papa apareceu e deu início à missa,
eu já me encontrava indignado e descrente da empatia cristã, a pelo menos duas
quadras além do lugar onde acampei pela manhã e o Papa não passava de um ponto
branco indefinível, lá no afogueado da multidão. Desencantado com a humanidade,
peguei o caminho do feio e nem pro final da celebração fiquei. Inda voltei a pé
para a Pedreira porque a cidade parou, naquele dia.
À
época, eu era igrejeiro, coordenador do Movimento que havia na Escola
Salesiana. Articulei com entusiasmados jovens, cheios de energia e ocupamos a
frente do palco por volta de cinco e meia da manhã. E de lá não saímos pra
nada. Pra fazer xixi, para respirar outros ares, para encontrar outras pessoas.
Não. Nos fechamos nas nossas posses e carências. Lá pelas quatro da tarde já
tinha gente da nossa patota desmaiando. Coisa de uma hora antes da chegada do
Papa, aquele grupo que não está nem aí chegou com beira. Formou uma avalanche.
Se apossou de cada palmo da Primeiro de Dezembro que havíamos conquistado. Uma
horda inteiraça, pois que, durante o dia não haviam passado por privações, ao
contrário de nós, os combalidos iludidos. Diante daquela fúria, capitulamos e nos
dispersamos. Fui sendo empurrado, pela multidão, até lá longe. Frustrado. Com
fome e sede.
Por
agora, me bato com outro grupo. O dos varapaus que ficam na nossa frente nas mesmas
concentrações. Cadê lei regulamentando este tipo de assédio, esta humilhação? Situação
bem comum neste modelo de platéia de piso em um único plano, ao contrário dos
estádios, cinemas ou teatros onde o piso sofre uma inclinação que compensa os
tops diferentes das pessoas. Agora, pela passagem dos Titãs em Belém, um
cidadão que se destacava na platéia por ter pelo menos 50cm a mais que qualquer
outro ser vivente em toda a calha do
Amazonas, simplesmente ficou estátua diante de mim. Caraca! Tamanho pai
d’eguão! Estivesse ele lá no Combu, ainda assim desfrutaria de visão
privilegiada do palco. Mas quite. Me tirou pra pagode em pleno show de Rock e
ficou de flozô bem na minha frente.
Sem
a lei do menor para o maior, proponho aos organizadores, o procedimento adotado
em alguns balneários. Trata-se de uma vara estirada na horizontal regulando a
altura nos vários compartimentos da platéia. Na frente do palco, aqueles que
ficassem aquém da vareta de, vá lá que seja, metro e sessenta. Caso bata na
vara, volta e ocupa o trecho anterior, até a outra vara. E assim a platéia
alteia pra trás. Penso que ajudaria na afirmação do biótipo amazônico. Quanto
ao show do Titãs, foi ótimo. Em nome da paz, mudei de lugar.
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