sábado, 20 de maio de 2023

crônica da semana - do menor para o maior

 Do menor para o maior

A maturidade alcançada desde domingo próximo passado quando completei sessenta anos, me confirma uma cisma antiga. Entre tantas personalidades e caracteres, destacam-se em momentos estes e aqueles específicos, duas bem marcantes. Há um grupo de pessoas, como eu, até, que quando vai às partes de grande concentração de gente, tipo um show, jogo de futebol, uma celebração popular, faz questão de chegar cedo, se posicionar com tranqüilidade e esperar na boa, o início do evento. Há um outro grupo que não tá nem aí. Chega em cima da hora, vai abrindo caminho, dando cotovelada, forcejando, deslocando os incautos que chegaram cedo, como eu, e se arruma o mais perto possível do grande acontecimento. Mas olha que dou de encontro com essa gente, e não é de hoje.

Em 1980, quando o Papa João Paulo II esteve em Belém, experimentei pela primeira vez a vexação com esta onda selvagem. Ainda no escuro da madrugada, eu estava de palmo em cima com o palco montado na Primeiro de Dezembro com a Mauriti. Houvesse Papa àquela hora, estaria ele ali e eu bem aqui, de confronte. O que se deu é que lá pelas 7 da noite quando o Papa apareceu e deu início à missa, eu já me encontrava indignado e descrente da empatia cristã, a pelo menos duas quadras além do lugar onde acampei pela manhã e o Papa não passava de um ponto branco indefinível, lá no afogueado da multidão. Desencantado com a humanidade, peguei o caminho do feio e nem pro final da celebração fiquei. Inda voltei a pé para a Pedreira porque a cidade parou, naquele dia.

À época, eu era igrejeiro, coordenador do Movimento que havia na Escola Salesiana. Articulei com entusiasmados jovens, cheios de energia e ocupamos a frente do palco por volta de cinco e meia da manhã. E de lá não saímos pra nada. Pra fazer xixi, para respirar outros ares, para encontrar outras pessoas. Não. Nos fechamos nas nossas posses e carências. Lá pelas quatro da tarde já tinha gente da nossa patota desmaiando. Coisa de uma hora antes da chegada do Papa, aquele grupo que não está nem aí chegou com beira. Formou uma avalanche. Se apossou de cada palmo da Primeiro de Dezembro que havíamos conquistado. Uma horda inteiraça, pois que, durante o dia não haviam passado por privações, ao contrário de nós, os combalidos iludidos. Diante daquela fúria, capitulamos e nos dispersamos. Fui sendo empurrado, pela multidão, até lá longe. Frustrado. Com fome e sede.

Por agora, me bato com outro grupo. O dos varapaus que ficam na nossa frente nas mesmas concentrações. Cadê lei regulamentando este tipo de assédio, esta humilhação? Situação bem comum neste modelo de platéia de piso em um único plano, ao contrário dos estádios, cinemas ou teatros onde o piso sofre uma inclinação que compensa os tops diferentes das pessoas. Agora, pela passagem dos Titãs em Belém, um cidadão que se destacava na platéia por ter pelo menos 50cm a mais que qualquer  outro ser vivente em toda a calha do Amazonas, simplesmente ficou estátua diante de mim. Caraca! Tamanho pai d’eguão! Estivesse ele lá no Combu, ainda assim desfrutaria de visão privilegiada do palco. Mas quite. Me tirou pra pagode em pleno show de Rock e ficou de flozô bem na minha frente.

Sem a lei do menor para o maior, proponho aos organizadores, o procedimento adotado em alguns balneários. Trata-se de uma vara estirada na horizontal regulando a altura nos vários compartimentos da platéia. Na frente do palco, aqueles que ficassem aquém da vareta de, vá lá que seja, metro e sessenta. Caso bata na vara, volta e ocupa o trecho anterior, até a outra vara. E assim a platéia alteia pra trás. Penso que ajudaria na afirmação do biótipo amazônico. Quanto ao show do Titãs, foi ótimo. Em nome da paz, mudei de lugar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário