Valeu a pena?
Se
a alma não é pequena, sim.
O
recado do poeta é um alento. Uma forra para as desditas do mundo. Vem a calhar.
Serve como lenitivo para os tão comuns esquecimentos.
Aí
me vem no cocuruto os entremeios de uma discussão sobre a meritocracia. É comum
as pessoas creditarem um sucesso mais aquele, a ascensão em uma carreira
promissora ou a inteligência raríssima aos seus potenciais intrínsecos ou a
esforços estritamente pessoais. Olha que tenho topado com mina de gente ao
derredor que jura de pé junto, afirma sem que lhe trema a cara, ter subido os
degraus da vida por si. Sem a ajuda de ninguém. Em Barcarena, então, se fosse
chover alheamento, seria uma chuva de dias a bom pingar sem trégua. Digo isso
porque convivo com gente que se beneficiou das lutas populares, sindicais, de
conquistas coletivas e hoje, ó, nem seu Souza pra história.
O
mais comum dos meus desconfortos com o apagamento da memória se dá no campo da
educação. À época da minha chegada em Barcarena, o município se ressentia da
falta de cursos específicos no nível médio e muito, e bastante sentida, no
nível superior. Para romper esta barreira, os moradores da cidade recorriam às
ofertas de cursos em Belém. Uma decisão na vida que levava o orçamento familiar
às alturas. O transporte era de toda sorte raro e caro. O trabalhador do pólo
industrial e as famílias tradicionais ou recorriam a parentes e amigos para
abrigarem os filhos na capital enquanto duravam os cursos ou, passavam um
aperto daqueles para garantir o ir e vir diário, mais um bico de pão para o
lanche. Esta condição, certamente, restringia a evolução dos estudantes e
enterrava sonhos.
Um
alento veio por uma articulação decisiva do, hoje vice-reitor da UFPA,
professor Gilmar Pereira, criando a lei do passe escolar, que franqueava a
passagem dos estudantes habilitados aos cursos em Belém. Um benefício que mudou
a vida de muita gente e supriu a cidade de profissionais da terra, de realce e
de importância fundamental para o desenvolvimento do município.
Eu
fui beneficiado com o passe escolar, quando, já quarentão, passei em Geologia
na Federal. Tudo bem, tudo bom, consegui fazer o primeiro semestre, me
assombrei com Cálculo I, mas passei até bem. Cuidei e me adiantei no segundo,
mas... sabe como é o pobre, né... No finzinho do semestre (que, coisa rara,
caiu exato no fim do ano) o prefeito de Barcarena suspendeu o benefício. Aí foi
um pega pra capar. Todo mundo na pira. Como íamos frequentar as aulas pagando
aquele horror de passagem todo dia? Tentei argumentar com meus professores e
dei com os burros n’água. O jeito foi declarar a guerra e reconquistar o passe.
Nem vou entrar nos detalhes, porque a prosa é longa, mas para ilustrar, revelo
que o reveion de 2005, eu passei, junto com uma pá de estudantes, acampado em
frente à prefeitura; varamos o Dia de Reis em batalha renhida contra aquele ato
que nos tirou, praticamente, o direito de estudar, e antes que meus professores
me dessem a conta justa da reprovação por faltas, recuperamos o benefício e
resgatamos para nunca mais perdê-la, a lei que mudou a vida de muita gente em
Barcarena.
E
eis que eu estava bem na curtição do show do Frejat, semana passada, o Rock
rolando bacana, quando passou um rapaz por mim, me encarou, falou algo que
malmente deu pra eu confirmar, sim, sou eu mesmo. E ele me deu um abraço tão
apertado, tão carinhoso, muito do bem. Falou no meu ouvido que era muito
agradecido por aquele dia, lá acampado na prefeitura, que ali, entendeu as
razões da luta e que dali, tirou o futuro. E eu ansioso, cortei o pequeno: formaste,
perguntei, formaste? Sim, ele respondeu. Formou em Engenharia. Devolvi o abraço
e um sorriso emocionado ao Diego.
Valeu
a pena!
Sempre vale a pena, mestre Sodré.
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