sábado, 10 de junho de 2023

crônica da semana - valeu a pena?

 Valeu a pena?

Se a alma não é pequena, sim.

O recado do poeta é um alento. Uma forra para as desditas do mundo. Vem a calhar. Serve como lenitivo para os tão comuns esquecimentos.

Aí me vem no cocuruto os entremeios de uma discussão sobre a meritocracia. É comum as pessoas creditarem um sucesso mais aquele, a ascensão em uma carreira promissora ou a inteligência raríssima aos seus potenciais intrínsecos ou a esforços estritamente pessoais. Olha que tenho topado com mina de gente ao derredor que jura de pé junto, afirma sem que lhe trema a cara, ter subido os degraus da vida por si. Sem a ajuda de ninguém. Em Barcarena, então, se fosse chover alheamento, seria uma chuva de dias a bom pingar sem trégua. Digo isso porque convivo com gente que se beneficiou das lutas populares, sindicais, de conquistas coletivas e hoje, ó, nem seu Souza pra história.

O mais comum dos meus desconfortos com o apagamento da memória se dá no campo da educação. À época da minha chegada em Barcarena, o município se ressentia da falta de cursos específicos no nível médio e muito, e bastante sentida, no nível superior. Para romper esta barreira, os moradores da cidade recorriam às ofertas de cursos em Belém. Uma decisão na vida que levava o orçamento familiar às alturas. O transporte era de toda sorte raro e caro. O trabalhador do pólo industrial e as famílias tradicionais ou recorriam a parentes e amigos para abrigarem os filhos na capital enquanto duravam os cursos ou, passavam um aperto daqueles para garantir o ir e vir diário, mais um bico de pão para o lanche. Esta condição, certamente, restringia a evolução dos estudantes e enterrava sonhos.

Um alento veio por uma articulação decisiva do, hoje vice-reitor da UFPA, professor Gilmar Pereira, criando a lei do passe escolar, que franqueava a passagem dos estudantes habilitados aos cursos em Belém. Um benefício que mudou a vida de muita gente e supriu a cidade de profissionais da terra, de realce e de importância fundamental para o desenvolvimento do município.

Eu fui beneficiado com o passe escolar, quando, já quarentão, passei em Geologia na Federal. Tudo bem, tudo bom, consegui fazer o primeiro semestre, me assombrei com Cálculo I, mas passei até bem. Cuidei e me adiantei no segundo, mas... sabe como é o pobre, né... No finzinho do semestre (que, coisa rara, caiu exato no fim do ano) o prefeito de Barcarena suspendeu o benefício. Aí foi um pega pra capar. Todo mundo na pira. Como íamos frequentar as aulas pagando aquele horror de passagem todo dia? Tentei argumentar com meus professores e dei com os burros n’água. O jeito foi declarar a guerra e reconquistar o passe. Nem vou entrar nos detalhes, porque a prosa é longa, mas para ilustrar, revelo que o reveion de 2005, eu passei, junto com uma pá de estudantes, acampado em frente à prefeitura; varamos o Dia de Reis em batalha renhida contra aquele ato que nos tirou, praticamente, o direito de estudar, e antes que meus professores me dessem a conta justa da reprovação por faltas, recuperamos o benefício e resgatamos para nunca mais perdê-la, a lei que mudou a vida de muita gente em Barcarena.

E eis que eu estava bem na curtição do show do Frejat, semana passada, o Rock rolando bacana, quando passou um rapaz por mim, me encarou, falou algo que malmente deu pra eu confirmar, sim, sou eu mesmo. E ele me deu um abraço tão apertado, tão carinhoso, muito do bem. Falou no meu ouvido que era muito agradecido por aquele dia, lá acampado na prefeitura, que ali, entendeu as razões da luta e que dali, tirou o futuro. E eu ansioso, cortei o pequeno: formaste, perguntei, formaste? Sim, ele respondeu. Formou em Engenharia. Devolvi o abraço e um sorriso emocionado ao Diego.

Valeu a pena!

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