A Pedreira proibidona
Tirem
as crianças da sala que lá vem a prosa bandeada para os pequenos e maliciosos pecados
cometidos nos escaninhos censurados da Pedreira.
Nos
primeiros anos, ainda quando eu morava na vila Três Irmãos, na Visconde, o pri
das negações era o igarapé do Zé e suas sedutoras cacimbas de água geladinha.
Canto em verso e prosa, o igarapé aqui na minha contação memorialista, mas eu
mesmo nunca, nem em pensamento, dei um mergulho lá. Deus-te-livre-e- guarde.
Mamãe não deixava de jeito e maneira. Eu chegava bem na beirada da Dr. Freitas,
ficava na ira de invadir a mata da aeronáutica, mas quando que me abalava. Era
menino obediente. Largava pra trás a idéia, também porque tinha uns medos. Pra
mamãe todas as lendas, crendices, fantasias e seres fantásticos moravam ali. A
mata era minada de seres extraordinários que povoavam o imaginário popular.
Tinha desde o Vira-porco, passando pela Matinta, o Guariba que mundiava com o
canto das seis horas e a Iara que levava os meninos pro fundo da cacimba até
ficarem verdes, sem suspiração e desaparecerem debaixo d’água. Eu queria, tinha
vontade, podia até subverter a regra, sem mamãe saber, e dar uma escapulida lá
pra dentro da mata, mas quite. Quando pensava nos encantados, me dava logo um
arrepio e ...pernas pra que te quero.
Depois,
fiquei mais taludinho e dei uma guinada para as artes do mundo real.
Uma
virada impulsionada pelas experiências precoces. Avalie um garoto de 12 anos,
funcionário fichado de supermercado, com rotinas definidas, horários,
dividindo, por pelo menos duas vezes na jornada, o vestiário com adultos. Eles,
indiscretos, impudicos, cheios das saliências. Sem regras. Faziam gestos,
menções, contavam casos, simulavam movimentos. Arremedavam erotismo. Eu
percebia, e fazia que não era comigo, mas ficava curioso. Que mundo era aquele,
escondido, proibido, que não se tinha à vista? Que ia por caminhos adversos aos
da Matinta, do Vira-porco, mas eram proscritos, não recomendáveis, como aqueles?
Deu-se
então que olhei com outros olhos para a Pedreira. Não assim, de prima. Ocorreu
com o tempo. Fui amadurecendo, metabolizando os dias, os hormônios lá e cá, fervilhando
acelerados, atiçando.
No
princípio, me juntava com a patota e íamos brechar o Shangrilá. Depois,
zanzávamos pela calçada. Isso, cedo da noite. Não tínhamos permissão para
passar das dez. Tirávamos a bronca de um churrasquinho, na feira. E, diga-se de
passagem, os inesquecíveis, maravilhosos churrasquinhos temperados na cominho, servidos
ao início da noite, na calçada do mercado da Pedreira. E de lá, desviávamos
para apreciar o movimento naquele perímetro aquecido da Pedro Miranda que se estendia
da Angustura até à Lomas. Eram muitas as casas de diversão, bares, as casas de
encontros, ou como charlavam os íntimos do dialeto afrancesado das esquinas, os
famosos ‘randevuz’. Não passava disso. De curiosidade, adrenalina, hormônios e
alguns sustos com os desordeiros que freqüentavam a barra, só para fazer desordem
e arengas com os homens solitários e as profissionais do amor. Batíamos a nossa
conta de emoções e tornávamos pra casa, cheios de invencionices e incríveis
aventuras.
Com
o tempo, o perímetro foi sendo esvaziado. Acabou o Shangrilá, o Rosa Vermelha,
que dominava aquele encarreirado de prédios em alvenaria, ao contrário do
Shangrilá que era de madeira, de paredes vermelhas, corredores escuros,
esfumaçados, às margens barreadas da Angustura. E que abrigava lá no fundo,
entre quatro paredes de um quartinho acanhado, um mundo proibido, que não tinha
Matinta, Vira-porco, mas era minado de fantasias e encantamentos.
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