sábado, 21 de janeiro de 2023

crônica da semana - belemense raiz

 Belemense raiz

Tomei conhecimento, pelas redes sociais, de uma postagem do jogador Gustavo Scarpa, recentemente negociado com o futebol da Inglaterra, depois de uma temporada atuando, com brilho, pelo Palmeiras. No depoimento, Gustavo fez uma declaração que pode ser alimentada por contudos, entretantos e paralelos de entendimento. Aparentando severidade no relato, sinceridade no semblante, e dizendo abrir o coração, descreveu o que sentia após uma rodada realizada com êxito naquele dia. O time havia vencido, ele se via enriquecendo a carreira profissional, tinha orgulho de ser um brasileiro fazendo sucesso num dos mais ricos e disputados campeonatos do mundo. Ao final (e aí vem a dúvida sobre a natureza da postagem), partilhou sentimentos recordando que, fosse no Brasil, terminada a rodada, a vida dele seguiria um roteiro que compreendia pôr o skat na bagagem e partir para a folga em Hortolândia, cidade localizada na região metropolitana de Campinas, em busca de diversão e algum descanso. Arrematou fazendo uma imagem panorâmica da cidade iluminada ao fundo e se conformando: não, não estava no Brasil, o que lhe cabia, ali na hora e na vez, era (só) Londres. Eis o contracanto. Um entendimento é a provável ironia do jogador, quando compara Hortolândia à sede do Reino Unido. Por outro lado, não é errado reconhecer a saudade agindo no coração do atleta. Desfruta dos privilégios da carreira, mora numa das metrópoles mais importantes da Europa, mas o que queria mesmo era o aconchego de sua querida Hortolândia. Eu por mim, agora vivendo este clima, esta verve excitada pela ocasião do aniversário de Belém, me permito acreditar na segunda possibilidade. Quem andou pelos longes sabe. A saudade quando dá, é em tempo e ao modo de malinar com a gente.

Há de se ter um jeito para tratar com a distância. A liturgia do desterro nos impõe reflexões e estratégias para amainar a dor. Uma delas pode ser expressa pela atitude do jogador Scarpa, que usou as redes sociais para expor inquietudes e lacunas nos costumes. Eu por mim, quando vaguei pelo trecho, fazia era das minhas. Baseava a técnica na auto-afirmação, na valorização de minha terra. Virava um belemense raiz em outras paragens. Quando a gente tá fora é assim. Faz coisas que nem seu souza faríamos, caso estivéssemos na cidade de origem. Nunca comi tanta farinha de tapioca na vida, como nos tempos passados em Rondônia. Mamãe mandava regularmente um pacote adubado e junto, outros clássicos da cidade. Sempre duas garrafas de Guarasuco, duas de Guaraná Vigor, duas de Guaraná Garoto, três ou quatro pastéis folheados da panificadora Manon, bem embrulhadinhos no alumínio para garantir o tempo de despacho e entrega por sedex; uma edição do Jornal PQP não faltava. Nas férias, era como se fosse um menino besta me perdendo por Belém. Passava dias contemplando os prédios históricos do centro, fazia o possível pra ver o pôr-do-sol no pontal do Forte do Castelo, tirava no pé de ponta a ponta esta Pedreira velha e querida visitando amigos parentes e aderentes. Como optava sempre pelo mês de abril para as férias, chegava por aqui na vez das grandes marés, mas era batata, era só a baía ir lamber a calçada das Casas Pernambucanas que lá s’estava eu, calça arregaçada, pés mergulhados na água barrenta, varando pelo veropa com minha Olympus Trip, fotografando tudo. Na volta para Porto Velho, ainda levava lembrancinhas, com destaque para as camisas com estampas regionais que eu comprava na praça da República. Lembro de uma produção Ná Figueiredo explorando um tema ainda acanhado naqueles anos 80: “ecolo gia/ecolo rã/ecolo sapo/é cor da vida/cupuaçu/jenipapo”.

A saudade quando dá...

Nenhum comentário:

Postar um comentário