A viagem mais barata do ano
Só
pode ser. Não é possível que um vôo naquela horinha ainda custe os olhos da
cara.
A
champanhe estourando e a rolha passando com mais de mil no trisca da minha
orelha. O céu de um colorido diverso e farto. É certo, um inconveniente barulho
de fogos ao longe e ao perto. A emoção de estarmos juntos, a celebração da vida
e das boas energias, em família. Era o ano novo chegando! E eis que de repente
um barulho extra na contrabanda. Não me era um avião levantando vôo e ganhando
altura no quadrante estrelado da Nova Belém! Plena virada de ano, plena
meia-noite e alguém rompendo o ano dentro e um avião!!!! Essa tarifa só pode
ser a mais barata do ano. Quem quer, de boa vontade e de senso o mais comum que
seja, comemorar o ano novo sob a pressão e o ar seco da cabine de uma aeronave
comercial? Só por muita necessidade ou por um preço assim, ó, de pequenino,
nenão!
Deixa
estar que estou é no chove e molha de quem desdenha e quer comprar. Fosse uma
barbada, estaria lá também. Seria mais um usuário do transporte aéreo
profanando os ares do ano novo. Porque olha lá, olha lá, meu senhor e minha
senhora, desde que tempo, desde a quarta dose e esta brisazinha de vida normal
que por agora respiramos, tento uma promoção pra viajar e não consigo. O preço
das passagens está por acolá, pela hora na morte, e não baixa de jeito e
maneira. Vou até ficar na bicora da virada de 2023. Se aparecer um valor em
conta, tô é dentro. Tenho minhas pretensões e algumas extravagâncias listadas que
vão pautar meu ano novo até onde der a folhinha.
Na
passagem do avião ainda estimei a rota. Estava indo para Leste. E elaborei
teses, ali, enquanto bebia um tiquinho da champanhe e me confraternizava.
Voando para o oriente, estava a caminho do novo dia. Fosse o contrário, se
embrenharia no passado ainda por uma boa pisada. São os caprichos da Terra,
artes da rotação sobre si mesma, tão bem lembradas quando da volta ao mundo em
80 dias, contada pelo visionário Júlio Verne. Um olho no avião, outro na taça
de champanhe, me ocorreu relativa realidade que se estendia conflitando tempos,
entre mim e a turma que viajava lá em cima.
São
estes mecanismos instigantes do planeta que me inspiram viajar. Pode até parecer
mentira da velhinha chica de minha parte, porque me deixo ver com alguma apatia
e certa preguicina. Mas, tendo tento e jeito, gosto de sair por aí explorando
geografias.
De
forma que minha ousadia em experimentar, como aconteceu com o pequeno
Aureliano, já me levou um dia a conhecer a neve. E não para. Agora admite esse
estica e puxa, esse Leste-oeste, esse tempo conflitante que num dado momento,
parece que para. É pra lá onde, por um período o tempo estaciona na noite e por
outro, se alonga no clarão do dia, que pretendo viajar, condicionado a uma
atraente baixa na tarifa, lógico. Para a região do Círculo Polar Ártico.
Há
uma motivação romanceada, marcada de um lado por dramas adensados e, por outro,
de profundas racionalidades, nesta minha vontade. Há uma prestação de contas
com a fidelidade sem fim expressada pela personagem de Juliette Binoche em seis
meses claustrofóbicos de noite no Ártico, a procura do marido. E também, busco conhecer
de palmo em cima, a exatidão deste mecanismo espetacular que move a Terra a
ponto de o planeta se manifestar em todas as suas virtudes em um lugar onde o
leste e o oeste estão unidos em um único ponto.
Sonha,
peão! Não custa nada. Vou engomar meus desejos bem engomadinhos, guardar dentro
da gaveta e acordá-los quando aparecer uma promoção muito das suas paid’égua da
tarifa. Uma apreensãozinha: que língua falam por lá, nas paragens boreais? Meu
inglês é tão fraquinho!
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