A dança da rua
Dante
Gatô criou, elaborou o tempo, a marcação, os movimentos poucos e plenos.
Seleciona os brincantes, ensaia por noites e noites, e quando dá o momento, faz
uma apresentação no passeio central da Pedro Miranda.
Olhando
de cima a gente identifica uma ordem. Silenciosa em azul, rosa, vermelho;
percebemos traçados na calçada, riscados no espaço, debaixo do céu claro. A
dança é de dia e bebe o ritmo do sol.
Dante
Gatô criou
Veio
da França, logo depois da Copa de 1998. Desembarcou em Belém, evaporou o
passado, de tanto calor; tomou açaí, comeu da farinha baguda, e se aninhou na
Pedreira. Tinha uma sonoridade e uma cadência na cabeça que talvez guardasse
uma origem nas celebrações celtas, mitificadas, misteriosas e proibidas.
Recebeu a herança de aldeões bárbaros das Ardenas, de mulheres poderosas das
florestas e dos druidas de barbas gris e longas. Nos trouxe a idealização de um
proscrito caldeirão celta, temperado com ingredientes subversivos, ervas
revolucionárias e vapores revoltosos da fervura.
O
mais extraordinário é que não tem música cantada ou tocada na apresentação.
Apenas uma marcação extraída do próprio movimento dos dançarinos. Um tum tum
cadenciado que habita o íntimo de cada um. Altivo e elegante. Cada qual com seu
par. Um passo à frente, trocam sorrisos e gentilezas, fazem a ginga e se tocam.
Girou! Aos seus lugares. Tum tum.
Lá
de cima a harmonização do universo em chapéus com fitas rosas e boinas
vermelhas com raminhos na borda. Alvos e bem cortados paletós diante de saias
rodadas. Evolução simples, educada, num ritmo mágico, pleno, de singular
candura. Instigante. Sensual. Bem tramado no espírito, no mais escondido da
alma. Girooou!
Dante
Gatô criou.
Não
conheci Dante Gatô de palmo em cima. Ele nem é deste plano físico. Ele e a
história dele existem apenas no sonho. Acordei num dia desses graves de outubro
com este nome, a dança se realizando, e essa região da Pedreira, entre a Escola
Salesiana e a Dr. Freitas fazendo o cenário. Como era um sonho, vi tudo de
cima. Ao acordar, havia a estrutura de um poema com o andamento inspirado na
dança de rua. Logo pensei no meu compadre Edir Gaya. Imaginei como ele ficaria
feliz com uma forma diferente, uma construção poética além do que se dá no meu comum.
Os versos se movendo. E se animaria: “ulha, manda pra mim”. Na mesma pegada,
pensei numa prosa que simbolizasse a leveza, o fluir da alma, a liberdade
conquistada. Um espetáculo visto de cima, como se nos estivéssemos livrado de
um peso de quatro, cinco anos de chumbo quente sobre nossos sonhos e...flutuássemos.
A
dança de rua se dá com os personagens dispostos nas margens do canteiro da
Pedro Miranda, local, no dia-a-dia, usado pra tudo em quanto que não signifique
arte. Formam duas fileiras que assim, de cima, assemelham-se a gigantes sucuris
coloridas. Aos serpenteios, as fileiras se tocam ponto a ponto, em contatos de
puro prazer e amor.
Cada
qual com seu par. Uma passo à frente, trocam sorrisos e gentilezas, fazem a
ginga e se tocam. Girou! Aos seus lugares. Tum Tum no coração. Leveza no
espírito e generosa entrega.
É
extraordinário este fato da gente acordar e ter uma história, um fato, um
cenário, um personagem, surgidos do vazio noturno. Rapidola registrei na minha
caderneta. Sim, tenho uma caderneta! Organizei as sequências, e me encantei com
tanta arte extraída do consciente adormecido.
Ansioso
para conhecer a dança da rua de perto
E
para conhecer Dante Gatô
Que
a criou, elaborou o tempo, a marcação, os movimentos poucos e plenos.
Fez a ginga e... Girooou!
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