sábado, 26 de novembro de 2022

crônica da semana - velocidade mínima

 Velocidade mínima

Por esses dias tive uma experiência incrível. Ocorreu-me um choque causado por uma passagem acidentada, uma precipitada translação de um livro que eu estava lendo para, imediatamente, outro.

Lia “Flor de Gume” da escritora paraense Monique Malcher, e ao chegar à última página, tentei iniciar logo ao pegado, um outro livro que levava na mochila, porque livro é companhia certa na minha viagem diária para o batalho, na travessia da baía do Guajará.

Ledo e límpido engano. Não se desliga de uma leitura de Monique Malcher e se adianta em outro tipo de narrativa assim, no instantâneo, no mais que depressa bate-pronto. Há de se respirar, suspirar. Organizar o íntimo, metabolizar as revelações, enquadrar as dores e aos poucos ir-se desopilando o espírito. Para certas reviravoltas literárias, a velocidade deve ser mínima.

Ainda mais quando as narrativas são distantes na forma e no conteúdo. O livro de Monique Malcher realiza-se em uma sequência, do que considero ser, contos extremamente profundos, com temáticas dramáticas. Explora fissuras na alma, no tecido social, expõe intimidades tapadas, no cotidiano, pela hipocrisia e pelo preconceito. Não sou crítico literário, nem nada, mas senti um acutilado toque contextual quando fechei o livro de Monique e, de prima, abri um tijolaço escrito pelo jornalista Osvaldo Bertolino. Obviamente, fechei na hora o tijolaço de 600 páginas. Em tempo, percebi a incoerência no clima e na consternação. Adiei para outro dia a leitura do livro novo, e naquela horinha atravessando a baía, me impus a meditação. Fechei os olhos e digeri as mensagens de ‘Flor de Gume’ em reflexões e mea culpa.

A velocidade mínima, devo admitir, é uma prática que devo garantir na minha rotina de leitor. A bem da verdade, não é de bom termo, ler um livro às carreiras, ainda mais aqueles que exigem, nos convidam a uma evolução mais cadenciada, às vezes pela severidade do tema, outras pelas belezuras das contruções textuais. Em outras ocasiões até presto reparo e reduzo a velocidade, no automático. Machado de Assis, com aquele delineado delicioso na escrita, pela estética, sempre me prende, me fecha o sinal. ‘Cem Anos de Solidão’, então, por causa da sucessão de personagens, a cada reedição de leitura, me faz voltar páginas e páginas até encontrar o Aureliano certo.

Reconheço que nos últimos tempos, tenho me quedado à ânsia e ao desregramento. Até a Monique, estava lendo aos emboléus, no varejo. Não estava me entregando aos aprendizados de uma boa leitura. Entretanto, sempre é tempo de, como diriam os narradores de futebol das antigas, nas transmissões pelo rádio, sempre é tempo de retroceder. Aprender e entender a pegada de cada autor ou autora.

Agora, lendo o tijolaço, estou fazendo este exercício. É a biografia de Maurício Grabois. Sou um apreciador de biografias. É o tipo de narrativa que nos conta sobre um personagem principal, mas também informa muito sobre o contexto histórico, o universo político, sentimental, social que rege aquela trajetória.

Mente reordenada, estou , providencialmente, me adestrando à história de Maurício Grabois. Não conhecia muito da sua caminhada. Sabia da militância e também da influência dele e de João Amazonas na estrutura do PC do B. Cheguei na parte do livro tijolaço, em que o autor fala da Assembléia Constituinte de 1946, em que Grabois e mais alguns comunistas (famosos como Jorge Amado e Prestes) se articulavam contra as investidas ferozes dos remanescentes do Estado Novo. Qualquer semelhança com os dias de hoje...

Creio que voltamos páginas e páginas na História atrás de um Aureliano.

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