Velocidade mínima
Por
esses dias tive uma experiência incrível. Ocorreu-me um choque causado por uma
passagem acidentada, uma precipitada translação de um livro que eu estava lendo
para, imediatamente, outro.
Lia
“Flor de Gume” da escritora paraense Monique Malcher, e ao chegar à última
página, tentei iniciar logo ao pegado, um outro livro que levava na mochila,
porque livro é companhia certa na minha viagem diária para o batalho, na
travessia da baía do Guajará.
Ledo
e límpido engano. Não se desliga de uma leitura de Monique Malcher e se adianta
em outro tipo de narrativa assim, no instantâneo, no mais que depressa
bate-pronto. Há de se respirar, suspirar. Organizar o íntimo, metabolizar as
revelações, enquadrar as dores e aos poucos ir-se desopilando o espírito. Para
certas reviravoltas literárias, a velocidade deve ser mínima.
Ainda
mais quando as narrativas são distantes na forma e no conteúdo. O livro de
Monique Malcher realiza-se em uma sequência, do que considero ser, contos
extremamente profundos, com temáticas dramáticas. Explora fissuras na alma, no
tecido social, expõe intimidades tapadas, no cotidiano, pela hipocrisia e pelo
preconceito. Não sou crítico literário, nem nada, mas senti um acutilado toque
contextual quando fechei o livro de Monique e, de prima, abri um tijolaço
escrito pelo jornalista Osvaldo Bertolino. Obviamente, fechei na hora o
tijolaço de 600 páginas. Em tempo, percebi a incoerência no clima e na
consternação. Adiei para outro dia a leitura do livro novo, e naquela horinha
atravessando a baía, me impus a meditação. Fechei os olhos e digeri as
mensagens de ‘Flor de Gume’ em reflexões e mea culpa.
A
velocidade mínima, devo admitir, é uma prática que devo garantir na minha
rotina de leitor. A bem da verdade, não é de bom termo, ler um livro às
carreiras, ainda mais aqueles que exigem, nos convidam a uma evolução mais
cadenciada, às vezes pela severidade do tema, outras pelas belezuras das
contruções textuais. Em outras ocasiões até presto reparo e reduzo a
velocidade, no automático. Machado de Assis, com aquele delineado delicioso na
escrita, pela estética, sempre me prende, me fecha o sinal. ‘Cem Anos de
Solidão’, então, por causa da sucessão de personagens, a cada reedição de
leitura, me faz voltar páginas e páginas até encontrar o Aureliano certo.
Reconheço
que nos últimos tempos, tenho me quedado à ânsia e ao desregramento. Até a
Monique, estava lendo aos emboléus, no varejo. Não estava me entregando aos
aprendizados de uma boa leitura. Entretanto, sempre é tempo de, como diriam os
narradores de futebol das antigas, nas transmissões pelo rádio, sempre é tempo
de retroceder. Aprender e entender a pegada de cada autor ou autora.
Agora,
lendo o tijolaço, estou fazendo este exercício. É a biografia de Maurício
Grabois. Sou um apreciador de biografias. É o tipo de narrativa que nos conta
sobre um personagem principal, mas também informa muito sobre o contexto
histórico, o universo político, sentimental, social que rege aquela trajetória.
Mente
reordenada, estou , providencialmente, me adestrando à história de Maurício
Grabois. Não conhecia muito da sua caminhada. Sabia da militância e também da
influência dele e de João Amazonas na estrutura do PC do B. Cheguei na parte do
livro tijolaço, em que o autor fala da Assembléia Constituinte de 1946, em que
Grabois e mais alguns comunistas (famosos como Jorge Amado e Prestes) se
articulavam contra as investidas ferozes dos remanescentes do Estado Novo.
Qualquer semelhança com os dias de hoje...
Creio
que voltamos páginas e páginas na História atrás de um Aureliano.
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