O portão 2
Aí, o inverno chegou. E dou a marca e a data. Chegou valendo mesmo na
segunda-feira, dia 18 de janeiro. Foi o dia do pinga-pinga o tempo todo. Desde
dezembro havia um ensaio barulhento do que seria o espetáculo chuvoso
amazônico. Céu carregado, trovões, relâmpagos, arrepios e espelhos cobertos.
Ah, vento arredando as telhas e nos assombrando com uma vuca de goteiras
abrindo em todo canto da casa. Daí veio o dia 18. Amanheceu aquela nevinha
caindo. Aqui e acolá engrossava um pouco. Amainava de novo. E assim, nos vimos
de confronte com aquele inverno de chuva inteiriçada, daquela qualidade que dá
um friozinho. Fui pra meia.
Aquele chiadinho no telhado e o céu da textura de um algodoado cinza
compuseram um cenário melancólico. E foi mesmo um dia carpideiro. Um dia
triste. As primeiras horas da manhã opaca nos contavam da ausência do riso, do
bom humor. Do silêncio caboclo. Do submergir da prosa, do verso e dos bons
dizeres tão generosamente nos ofertados pelo juiz, humorista, camarada pra lá
de paid’égua de querido, Cláudio-Epaminondas Gustavo.
De lá pra cá a coisa engrenou. Não parou mais a chuva e os dias se
estiraram molhados e friínhos, choraminguentos.
E daqui pra frente, vamos precisar de todo mundo. Vamos nos dar as
mãos, contornar e, se o amor que dizemos ter pela cidade for de verdade, vamos
evitar os sofrimentos que temos passado nos últimos anos.
Teremos nevinha e pinga-pinga doces, ocorrerão temperaturas glaciais
que nos levam a nos embrulharmos dos pés a cabeça com o quentinho lençol de
rede, mas vamos também, ter grandes precipitações,
volumes de água caindo do céu que podem superar 100mm em poucas horas, e se
coincidir com a maré alta, dá causa à apreensão, cuidado e vão nos fazer tirar
a meia e pular da cama atentos aos movimentos.
Grandes chuvas funcionam como marcadores na vida pessoal e também, na
realidade da sociedade. Em março do ano passado caiu um pampeiro de mais de
doze horas e que resultou em situações de desespero, com famílias perdendo
móveis, aparelhos eletroeletrônicos, para a enxurrada que invadiu as casas. Do
outro lado, produziu movimentos inusitados de grupos nem seu souza pros
problemas. Praticaram natação, saltos acrobáticos, outros fizeram um pagode com
mesas e cadeiras de bar mergulhados na água. Do portão de casa, acompanhei
abismado, a subida de nível do canal da Pirajá até ultrapassar as muretas e
formar um grande mar na rua, Um perigo!Aquela chuva do ano passado marcou
porque revelou comportamentos diversos da comunidade ante um evento delicado e
também porque foi o momento-impacto-Belém que antecedeu a tragédia provocada
pelo Corona Vírus (e que também gera comportamentos ecléticos).
Anos antes, me batia de melancolia. Era fevereiro. Estava em tempo de
voltar para o trampo lá pras bandas de Manaus. Últimos dias de férias. E o toró
me prendendo na Sacramenta. E o aconchego e uma saudade antecipada, e as gotas
flambando o zinco na biqueira do chagão, e uma paixão brotando e morrendo longe
ao mesmo tempo. Fiz um poema. Aquela chuva marcou pela saudade imensa. Belém, cidade
das águas e das lágrimas de despedida.
Vamos renovar compromissos. Dar destino certo ao lixo. Abrir caminho
para a água. Prefeitura tem que dragar e limpar os canais. Nada de jogar sofá
no leito dos igarapés. Tentemos não sofrer e evitar ecletismos este ano. Ontem
mesmo vi imagens de mergulhos e tibêis no canal do Galo transbordado. Um
perigo!
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