sábado, 6 de fevereiro de 2021

crônica da semana - toalha

 Antes de jogar a toalha

Arte da qual jamais pensei me valer.  Prosa que sequer vagava pelo mais recôndito do meu ser era, um dia, escrever algo que significasse desistir. Jogar a toalha. Mas olha, tô na biqueira. Remoso está. Uma assustadora indefinição, como se diz ao repente, “em termos de tudo”, me balança para fora do prumo e forceja me levar à lona. Estou convicto de que, ao contrário do que pareça, este banzo não vem da fraqueza ou como diz o presidente nos seus momentos de maior rastejo, não é fruto de um chiliquito de maricas. A oscilação no tempo difícil e no espaço isolado tem motivações concretas. É certo, dito e cravado que o perigo nos ronda por todos os lados. Hoje mesmo, enquanto escrevo, meu coração sofre, engulo choro, desconcentro, torno, rezo e peço pela recuperação de duas pessoas muito queridas e que enriqueceram minha vida de bons momentos na Vila do Cabanos, para que elas resistam e se recuperem do mal cruel que é a covid-19.

Um registro que tenho, vai catar lá de 1989, a primeira crônica que escrevi. “Nós que amávamos tanto a revolução”, ironicamente, uma narrativa elaborada a partir de um contexto pra lá de otimista. Era final da década de 80, tabus quebrados, democracia restaurada, cheirinho de liberdade no ar. Contei de forma bem humorada alguns aspectos daquelas conquistas, deixei dicas de algumas aparas que precisávamos ajustar e no final, me arvorei a um discurso contra o preconceito: “quando tudo acabou, eu e meu companheiro de batalha nos olhamos, nos beijamos, nos demos as mãos e subimos a avenida iluminada. Tomamos um guaraná Garoto, pra distrair”. Minha primeira crônica revelava sentimentos, traduzia autoestima, validava comportamentos, atos e intenções que, hoje, buscam a todo custo espaço no que escrevo.

Tantos triunfos me fugiram das mãos, nestes dias atuais absurdos e obscuros.

À época eu era mundiado pelo Luiz Fernando Veríssimo. Minha primeira crônica foi inspirada no jeito que ele escreve e que o mantém no topo das minhas preferências literárias. Procuro, ainda, rezar na cartilha do Veríssimo nos quesitos humor, desapego, liberdade no uso da língua e empatia. Coisa outra senão provocar uma satisfação do outro lado, me foi motivada como pauta durante essa lida de cronista que já conta seus 32 anos.

Quem me dera sentar aqui todas as vezes e abrir o parágrafo desta coluna com palavras ternas, finas e agraciadas com muitos bens e bons. Esta é uma disposição que a cada tentativa se torna muito difícil. Remoso está. Desesperançoso está o Brasil. Uma saída rápida ao largo nos revela a mais devastadora onda de desprezo pela doença que nos dizima. Mina de gente sem máscara. Vendedores de comida sem máscara! Outros além de não usar, provocam, desqualificam quem usa. A gente se esconde da doença, mas desse jeito, ela nos descobre. Urge Sumir da rua e esperarmos a vacina. Quem está no poder joga contra. Não temos vacina, não temos oxigênio. E ainda somos submetidos ao discurso de ódio diário, aos arroubos de sadismo disparados pelos carrascos do zap. Aí, a gente se esconde debaixo da cama e se entrega à tristeza sem fim.

Uma hora boto a cara pra fora. Volto ao computador. Engulo choro. Rezo por mim, pela minha família, pelos milhões que sofrem sem esperança neste país. Tento iniciar o parágrafo. Insisto. Antes de jogar a toalha, encontro fôlego na primeira crônica que escrevi e que tinha uma pauta pra lá de otimista.

  

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