Suave spleen
É costume antigo meu, sintonizar o rádio na estação pública, certinho
no programa que toca músicas paraenses. É benzinho na hora do almoço e se
ajeita no clima, no arranjo e no aconchego do domingo. Se calha de ter um vinho,
uma cervejinha, vou até mais tarde de ouvido colado na caixa de som do meu três-em-um,
apreciando a seleção musical. Curto pacas. Tem até o bônus de, lá pelas tantas,
tocar a música que fiz em parceria com o compositor/compadre Edir Gaya. A top
10 “Pedreira jazz Pedra Noventa”.
São tantos os talentos da nossa terra. Imagino a dor de cabeça do
programador pra listar o domingo. Entendo que há uma rotatividade. Quem toca
tal dia, passa um tempo sem. Dá a vez para outros. Muitos emergentes, outros tantos
consagrados. A variedade da criação. Diversa em significados, harmonias,
estilos e inspirações.
Daí que há alguns anos, uma música me mundiou. Em tudo por tudo. Pela
melodia requintada, pelo arranjo elaboradíssimo, pela poesia delicada e pela
interpretação de uma cantora fenomenal. Ouvi uma vez, fiquei maravilhado,
passou, passou, ouvi outra vez. Penso que, subordinada à alternância na lista
de execuções, a canção fica uma pá de tempo sem dar o ar da graça e do tema.
Destarte (hã hã, sabia que usaria esta palavra uma outra vez na vida!) que
fiquei na ira de saber o nome da canção, a autoria, os músicos, em que lugar
encontrar, tais e coisas; e coisas e loisas. Eis que, em pleno dia de semana
dei com ela fazendo a trilha sonora de uma tarde chuvosa. E com direito às
informações básicas:“Suave Spleen”, de Waldemar Henrique, interpretada por
Lívia Rodrigues e que compõe uma faixa do disco “Urbana”, lançado pela cantora
em meados dos anos 2000. E eu completo: um brinco! Uma preciosidade. Um
tesouro, a canção. Um maná que a todos deveria ser oferecido para a saúde do
corpo e a satisfação da alma.
É só eu dar com essas componentes dos tempos e das surpresas
agradáveis, que torno à atriz americana Amy Irving. Esteve aqui, no final do
milênio passado, gravando “Bossa Nova”, filme dirigido pelo brasileiro Bruno
Barreto. Na época, quedou-se à sedução do ator Antonio Fagundes. Deslumbrada,
deu uma entrevista se perguntando por que as mulheres brasileiras não namoravam
o Fagundes todos os dias. Entendo que floreou uma idéia que pregava certo
encanto pelo ator. Mas aquilo ficou na minha cabeça. Entendi que algumas peças,
em especial, poderiam ser manejadas no tabuleiro das satisfações coletivas e
ofertadas ao namoro constante.
Quando, nessa tarde chuvosa dei com aquela voz, me perguntei: por que a
gente não ouve música paraense com mais frequência, por que não temos Waldemar
Henrique, Lívia Rodrigues e outros grandes nomes da história musical do Estado
em outras rodas, em audições mais amplamente divulgadas? Por que não namoramos
nossos artistas todo santo dia? (perguntaria Amy Irving).
Aí a chuva amainou, o barulho mundano tomou lugar do meu três- em-um e
do chiado no telhado. Meu som doméstico arregou ante a competição externa. As
batidas que ouvimos no dia a dia romperam a barreira do som e nos dominaram. A
mesma coisa, a manjadíssima música em distribuição isotrópica. Daqui e dali.
Sofrência e estridência na voz. Quadrados e trancos rítmicos.
Acalentado pela sincronia de pingos remanescentes
que migravam da calha ao chão, traçando a memória da chuva, me acudi às
reflexões... a me perguntar em suavíssimo spleen, por quê? Por quê?
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