A trilha da verdade
Taí um estirão que a gente pode pegar uma horinha dessas, na vida, sem
medo de ser enganado. Em qualquer ponto do caminho, quando a gente pergunta aos
que estão descendo, se ainda está longe o nosso destino, a resposta vem justa. “Está”.
Digo que, independente do retorno que recebemos, é bom aceitar o
objetivo, mesmo que se aponte perto, estar sempre longe, porque é o que parece.
Acho até que, psicologicamente é mais indicado manter a entrega total à
dificuldade, que nos estimula a seguir com determinação; a ter um relaxamento
prévio, que pode nos levar a frustrações irreparáveis.
O certo mesmo, é que a galera que desce a trilha não mente.
Como antecipei, o aconselhável é encarar a parada com devoção
espartana. A experiência me mostrou que bem pertinho do pico da pedra do
telégrafo, o esforço ainda é imenso. O ar escapa, a perna bambeia, e a gente
fica numa zonzeira que tem que administrar para não ter uma pilora: uma por
causa do encantamento do lugar; e outra, pelo desgaste físico provocado por
quase duas horas subindo ladeira.
A pedra do telégrafo é um ponto turístico do Rio de Janeiro, localizado
na barra de Guaratiba e que se conta ser o terceiro roteiro mais procurado
pelas pessoas que visitam a Cidade Maravilhosa. Trata-se de uma elevação na
beira do oceano com altitude um tico acima de 350 metros. Uma montanha até
baixinha, se comparada à outra elevação famosa do pedaço, a pedra da Gávea que
vai além dos 800 metros. A turma diz que a pedra do telégrafo é mais visitada,
mesmo sendo mais gitinha, porque tem uma subida mais tranqüila, mais segura. E
eu pondero: não menos inclinada.
A ladeira, de um certo trecho pra frente, nos obriga buscar apoio em
galhos, raízes e até a gatinhar de quatro por causa da forte inclinação e
também, do piso arenoso donde daqui pra’li, se a gente vacilar, desembestamos
com beira pra baixo.
Na época que nos aventuramos por lá, fomos a família. Considerando a
nossa rotina sedentária, falta de manha, e a inerente complicação do relevo,
acho até que mandamos bem. Desembestamos abaixo, é certo, um aqui, outro ali.
Entretanto, onde dava pra aprumar, aprumamos e forçamos o ritmo. Fizemos
paradas estratégicas para aquela aguinha e para apreciar a paisagem que a cada
nesga de trilha se descortina encantadora. Em tudo por tudo, tiramos numa
pisada de duas horas subindo (gente mais aquela de preparada tira na metade do
tempo). Tem o lado do fascínio, do arrojo, da peraltice, mas o que é certo, é
que a gente anda que enjoa. E só subindo!O que resulta numa mistura perigosa de
cansaço e ansiedade, daí que a cada passante que vem descendo, a gente não
resiste e pergunta (e espera com uma pontinha de otimismo, que a resposta nos
convenha) se ainda está longe.
Tomei como lição que, mesmo já ouvindo o burburinho do cume, e o
aumento do fluxo de pessoas, o perto, por ser sempre em ladeira íngreme, é
longe. Quando varamos lá em cima, eu estava na baba.
Um ano depois, o médico cortou minha caminhada na esteira pelo meio
(não caminhei nem duas horas! E nem estava na ladeira!). Viu uma alteração no
gráfico do eletro e manou que eu me cuidasse. Investigações complementares
apontaram umas quantas coronárias na trisca de entupirem. Mas olha! Será que
foi por isso de zonzeei tanto na subida da pedra do telégrafo? O que torna e o
que deixa é que, por questões alheias ao meu querer, nem pensar explorar mais a
trilha da verdade.
Bom demais! Fiz essa trilha em 2016 com a família, Sodré. Na hora do sanhaço, minha mulher reclamou pra caramba que nunca chegava, nunca chegava! Valeu! Foi um caminho de santiago caprichado.
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