Meteu a mãe no meio, a casa cai
Do io que se estende pelas cicatrizes que marcam o lombo emocional de
cada um de nós; ao chio, que vem sem sentido e zonzo de direção, fim ou
definição do que é esperança e o que é desespero, a vida da gente vai revelando
almas... E olha, me aparece cada qual e tais e quais!
O que vale é que a gente se imuniza de embromações e ridículos
coquetes. Agora, é na vera mesmo. Ferro com ferro. Transparência da finura da
seda do papel de ‘abade’. O dito e o certo, no olho. Exigindo provações.
Estabelecendo compromissos. Decidindo cuidados. E, ainda bem, desvelando
caminhos tortos. Rasgando véus. Estampando personalidades e inspirando, dando
as dicas sobre as estratégias de proteção.
Aconteceu com todo mudo, a frustração. Bambeou gente pacas, a decepção.
Mãos que nos eram estendidas docemente, escondiam a ilusão amarga. O desencanto
mágico, ácido e trágico.
Uma palavra saltou do caos: empatia. Para ser negada.
Conhecia o termo, olha só, das aulas de OSPB que tive na Escola
Técnica. Numa das cartelas que incluíam conteúdos listando as condutas, os
valores sociais e morais. Em plena vigência da ditadura, minha turma conhecia
os princípios da empatia em dosagens bem mais substanciadas que hoje, quando o
que se procura mesmo é se fazer de desentendido quando este tema é a pauta.
Comigo foi de abismar. De me deixar caindo os queixos. E retorno aos perdidos
anos oitenta: Naqueles tempos , ora veja, a ETFPA sendo dirigida por um
interventor, naquele cenário claustrofóbico, foi que ouvi falar, pela primeira
vez na vida, em Karl Marx. Na dita aula de OSPB. De lá formulei entendimento
sobre a relação capital/trabalho. E me convenci de que somente a minha força de
trabalho interessa ao sistema. Não rolam sentimentos, carinhos, acenos de consanguinidades,
afagos ou gentilezas nesse contato. É puramente de troca. Retocada pela
mais-valia.
Com parente, pensei que fosse diferente.
A pandemia me mostrou que o sistema tem mais apreço por mim, mais cuidado
com minha saúde do que meu parente de sangue.
Aconteceu d’eu ter um serviço assim, assado e optei por dar a missão a parente.
Por telefone, combinamos os termos, as técnicas e preço, mas abortamos a missão
quando, em determinado momento, ele exigiu minha presença em uma das fases do
trabalho. Alertei que estava confinado em severa quarentena. Acrescentei que
havia sido dispensado inclusive das tarefas presenciais na empresa em que
trabalho, e desenvolvia, desde o início da pandemia, atividades restritas ao ‘home
office’.
Só não me chamou de santo. Insinuou que eu era um fraco. Delirou do io
ao chio afirmando que a pandemia não existe. Não era coisa outra, senão
invenção da Esquerda e do Petê. Que eu tinha que me cloroquinar e sair para o
mundo com fé no altíssimo pois que só ele salva. Resgatou arengas da infância,
sentenciou que eu era um neguinho amamãezado, cheio de mimos e privilégios.
Culpa da minha pusilanimidade, era da minha mamãe, cravou impiedoso e desonesto.
Opa! Meteu a mãe no meio, a casa caiu.
Desfiz o negócio na hora. Não teve trabalho, não teve clima para
prosseguir nas concessões táticas das relações familiares.
A mim restou a certificação do descaso total que temos pelo exercício
da empatia. A convicção da existência de almas descoladas
do corpo social e, incrível, a evidência de que o patrão, o agente concreto do
capitalismo selvagem, cuida mais de mim, que meu próprio parente!
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