Grama amendoim (um quarto de século)
Há
vinte e cinco anos, meu filhinho entrava em campo para ser este cracaço. A bola
está com ele, neste sábado:
“Duas
árvores de Ficus formavam uma sombra enorme. Os frutos amassados tingiam o
asfalto de cor de suco de taperebá, e a seiva branca das folhas dava coceira.
Do outro lado da rua, um portão.
Adiante,
um jardim de grama amendoim, bem verdinha. Um dia, assim sem explicação,
apareceu uma aceroleira no meio do terreiro, dando acerolas azedinhas, encarnadas,
que atraíam passarinhos e crianças.
No
pátio, a casa começava com o lustroso piso de cimento queimado, o vermelhão, o
maior charme das casas de operários menos graduados. O que torna é que operamos
o conceito de passar o dia inteiro com pé rubro.
Onde
deveria ser uma garagem, forjou-se um ateliê pra mamãe costurar e produzir
bolsas que ela vendia aos fins de semana, na praça. No ateliê, também
guardávamos a bicicleta vermelha, bem antiga do papai, a minha cross azul, que
nesse tempo a Amaranta já tinha herdado, e a minha linda bike cor de grafite
com garupa e descanso.
A
sala tinha um sofá de segunda mão (Acho que até hoje nunca compramos um sofá na
loja), levemente deteriorado, usávamos o lençol de cetim creme-amarelado-pálido
para cobri-lo. Encostada na parede da direita, nossa mesa, que até hoje
resiste, de madeira boa com quatro cadeiras que marcam nossas bundas e
pernas.
Na
parede esquerda, um mural com as melhores fotos. A mais emblemática, do
aniversário de seis anos da Amaranta. Nós quatro. Mamãe sorri olhando pra
Amaranta, papai sério olhando pra câmera, eu sem camisa, de calça jeans no colo
de mamãe, com os olhos fechados, protestando contra os flashes. Ao fundo, umas
telas que o papai ousou pintar.
Na
parede da frente, duas estantes de ferro guardavam as coleções de rochas e
minerais, uma garrafa de whisky, as rolhas das garrafas de vinho, a coleção de
vinis, e a vitrola. Tinha também um violão Di Giorgio de cordas de nylon
pendurado, esperando o meu único Ré, ou todas as músicas que o papai toca na
mesma sequência de Lá menor.
O
quartinho era um quarto pela metade, inacabado, sem porta e sem cama. Eu usava
pra ficar sozinho, chutando bola na parede. Brinquei muito de futebol com meus
bonecos, o Saint Seiya era o artilheiro, canhoto, especialista em cobranças de falta, igual ao Messi. Os dois guarda-roupas
embutidos continham infinitos livros, lá, ainda criança, eu li sobre o capitão
Lamarca.
O
quartão era o quarto de verdade, onde nos encontrávamos em família pra assistir
aos jogos da copa. Assim, em um gol de Ronaldo fenômeno, pulamos todos juntos e
quebramos a cama. Demoraríamos uns 15 anos pra ter uma cama nova.
As
paredes todas eram rabiscadas por nós, as duas crianças que estavam aprendendo
a escrever. Riscávamos os nomes de todas as pessoas do nosso convívio. Argel,
Amaranta, mamãe, papai, Maura, Caio Lucas, Flaviana… Dizem que a minha letra
continua do mesmo jeito até hoje... E na cozinha, a geladeira guardava meu
carrinho de ferro, no frio intenso do congelador.
Mexi
e remexi na caixa de lembranças do meu lar, mesmo que ele só exista no passado.
Com certeza é o lugar mais seguro de se ir. Hoje, no meu aniversário de 25 anos,
eu só peço que o dia amanheça azul, com um céu de férias ensolarado, rompendo o
fevereiro cinza... que faça florescer a verdíssima grama amendoim e que o vento
dê balanço às florzinhas amarelas. Eu assisto tudo da janela.”
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