A
grande perca (vai um cafèzinho aí?)
Nos
meus tempos de estudante, participei de um projeto em Barcarena chamado
“Revisão Solidária”. A idéia era juntar estudantes universitários em jornadas
de apoio aos alunos da rede pública que se preparavam para o vestibular. Cada
um doava um pouco de si ao projeto. Com as bases do meu curso de Geologia, podia
contribuir em Matemática, Geografia, um pouquinho de Ecologia... Mas, como na
época já tinha a coluna no jornal, a coordenação sempre me escalava para os
horários de Literatura e Língua Portuguesa. Tenho plena certeza que era
deslocado, também, porque tínhamos uma galera feríssima nas outras áreas do conhecimento,
e, penso que antes bem mais que hoje, ansiosa por partilhar saberes.
Fazia
das minhas. Costumava valorizar a leitura. Levava textos para as aulas, líamos
em voz alta. Interpretávamos. Deixava como dever de casa, uma redação. E porque
sou gramatiqueiro, muitas vezes tratava das formalidades da Língua. Mostrava o
jeito de usar as ferramentas da gramática, para construir meus textos. Inventei
o sacolão. Fazia menção, descia das costas o sacolão pesado e revelava que ali,
estavam os elementos que organizariam minha escrita. E de lá eu tirava os
tijolos etimológicos, sintáticos, as análises, as constituições frasais
simples, os apoios semânticos.
Citava
os gregos como fabricantes daquele sacolão. Como intuíram um grupo de palavras
para dar nomes às coisas. Os substantivos. E depois de as coisas nomeadas e
identificadas, para que não fossem, umas iguais às outras, criaram os adjetivos.
E quantas eram? Para contá-las, os gregos criaram os numerais. Quando quiseram
dar movimento, dar vida aos seres e às coisas, o gregos criaram os verbos. E as
partes do discurso iam saindo do sacolão, compondo pensamentos, estabelecendo a
compreensão.
Foi
um período interessante. Muito produtivo. Já desconfiava, mas nesse tempo, me
certifiquei da dificuldade enorme que os estudantes têm na leitura. Quando, no
início das aulas, lemos pela primeira vez juntos, quase tive uma síncope. Por
outro lado, quando fizemos a última leitura do ano, uma lágrima de felicidade
brotou dos meus olhos. Tinha conquistado uma vitória.
E
são as vitórias miúdas que me levam a relatar o caso do sacolão. Porque em outra
ocasião, quando da minha primeira vez na Universidade, fazia o curso de
Geografia e meu professor de Português era o Pedrinho. Já maduro, magrinho,
delicado no falar e no andar. Gramatiqueiro. Marcou minha trajetória, me
apresentando o acento grave nas sílabas subtônicas (que já havia caído no
Acordo ortográfico de 1971). Avalie só hoje a gente parando esta prosa para
tomar um cafèzinho. No entanto, o que ficou mesmo no cocuruto foi a aula sobre
as formas nominais dos verbos.
Os
verbos são palavras retiradas do sacolão que indicam ação, estado ou fenômeno
da natureza (ah, os gregos!). Quando não estão inseridos neste cenário, não são
verbos. Assumem o papel de outro elemento do sacolão.
Pirei
o cabeção com aquela aula do Pedrinho. Arrumei vários macetes para entender
melhor aquele tema. Um deles é procurar sempre conjugar a forma ‘verbal’. Por exemplo,
articular o verbo ‘perder’ na base do eu, tu ele, nós, vós, eles.
São
essas pequenas reflexões, e essas buscas no sacolão da memória, que me fazem
crer que não seria grande perda de tempo, uma parada para o cafèzinho.
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