Dois
Pierre (A Terra não é plana)
Eu
sou do tempo do Francês nas escolas públicas. Tenho dúvida se foi na quinta ou
na sexta série que estudamos a língua de Voltaire. Certo estou que foi por
aqueles idos cheios de ideais (sufocados) de liberdade, igualdade e
fraternidade, dos anos 70. O livro de apoio era o emblemático “Le Français Par
L’Image”, de Irma Aragonês Forjaz, e só pelo nome da autora potencializava o
conteúdo em doirada élégance.
O
formato do livro era com base nas ilustrações. Pequenas historinhas cotidianas
eram desenhadas em quadros coloridos e traziam a legenda explicando a ação. Um
enredo era montado com elementos comuns aos nossos dias e acabávamos decorando
a sequência da lição. Na aula seguinte, o professor usava uma tela de papel que
cobria a legenda, ficando à mostra somente a imagem. O exercício consistia em
reproduzirmos em francês, as cenas, oralmente ou escrevendo numa folha de papel
almaço. Sei umas lições até hoje. “Pierre, où vas-tu maitenant?”... “Je vais
rentre à la maison”...“où est ta maison?”... “ Regarde em bas, la maison
jaune”.
Tirando
aí a distância de mais de quarenta anos, acho que ainda fecharia um cinquinho
numa prova com telinha encobrindo as legendas.
Convivemos
juntos um período, eu e o Pierre das lições, pelejando para um não machucar o
outro, atentos aos esforços do professor para que se articulasse as palavras
fazendo biquinho com os beiços em frases universais, poderosas. “Amour toujours
amour”. Oui, oui, monsier.
Depois,
das séries seguintes, e me parece que para sempre, dos curriculos escolares, o
Francês desapareceu. Quando dei fé, já eram dois Pierre. Os encontrei, anos
mais tarde, não como personagens de uma lição por imagem, mas explicando formas
e resultantes matemáticas do círculo.
Dois
Pierre compõem uma dedução matemática, das mais elegantes. No frigir dos ovos,
a gente até se familiariza com a fórmula, nem que seja na base do decoreba.
Trata-se do cálculo do perímetro de um círculo.
É
um enredo geométrico usado para tanta coisa, mas para tanta coisa, que passaria
dias listando os efeitos que uma continha envolvendo o círculo faz na vida dos
seres animados, dos nem tanto e na natureza das coisas, do tempo e do espaço. E
por falar em imensidões, o número essencial para o cálculo da área do círculo,
é o número Pi. Surgiu da iluminação intelectual dos gregos, e ao passar dos
anos foi ganhando fama como uma constante misteriosa. Muitos ainda tentam achar
o seu valor completo. O Pi já chegou a ser o número três seguido por 31.811
casas decimais. Mas não é só isso. Hoje, cientistas usando computadores
monstruosos ainda perseguem a totalidade de casas decimais do Pi. (Dizque já
bateu em cinco bilhões de casas decimais. Já pensou?)
Voltemos
ao francês. Encontrei Pierre duplicado, muito tempo depois, nesses calculinhos.
A fórmula para achar o comprimento de uma circunferência é dois Pi r, Uma
continha matemática que permite até fazer biquinho no beiço lembrando as aulas
de Francês e os desencantos dos anos de chumbo. Oui, oui. “Pierre, où vas-tu
maitenant?”
Se
alguém acredita que a Terra é plana, não vai a lugar nenhum. Pierre atua em
todos os cálculos de navegação. Localiza e orienta aviões, navios, e pra onde
aponta o nariz. Define curvaturas. Aliás, não vai cavar nem um poço Amazonas no
fundo de casa.
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