Cipó
de fogo e palmito
A
floresta provê remediações para os aperreios, conforto para a rotina,
felicidade ao amanhecer. Prazer ao pôr do sol.
Menos
para mim, pensei desolado, um dia.
Eu
me considerava um sujeito urbano. Sem o menor traquejo para a sobrevivência em
ambiente natural. Se não tivesse um chuveiro, já chiava.
Ironicamente,
parte da minha vida, foi me virando com as naturalidades, com as dádivas da
floresta.
Tenho
então, que remendiar o trecho aí de cima. Não que os benefícios da natureza me
tivessem sido negados. A questão é mais profunda. Passa pela identificação.
Contorna a história, os saberes. As interações e as necessidades.
Passei
poucas e boas, no tempo em que vivia enfiado na mata, nas lidas da profissão.
As dificuldades, porém, eram minhas. Não se estendiam às pessoas que estavam
comigo e nem se justificavam pelo ambiente.
A
minha valência foi que, na maioria do tempo, me cerquei de conhecedores.
Habitantes das beiradas. Sacerdotes dos conformes e também das estranhezas.
Estas
interações me proporcionaram uma aproximação. Uma certa intimidade com os
encantos dos ermos.
Tirando
pelo início, se me adiantasse numa picada e perdesse o rumo, podia contar que
eu não daria conta de varar. Padeceria de fome, de medo e de sede.
Com
o tempo tornei. Conheci o cipó de fogo e o palmito.
Tem
macete para tirar água do cipó. Não é de qualquer jeito. Como me ensinaram de
graça, passo aqui, porque, vai que calhe de alguma precisão.
Há
de se fazer dois cortes e sacar um segmento do cipó. Uma pequena tora. O corte
tem que ser enviesado. Deste pedaço, se extrai a água para um recipiente ou a
gente ergue sobre a cabeça e bebe direto. Da parte que ficou na árvore, não sai
uma gota de água. Só sai assim, em tora. Se precisar de mais, basta cortar
outro segmento. Pronto. De sede, já não se padece. Ah, convém ter um terçado de
fio bom.
Para
superar a fome, tem o palmito.
Comi
palmito de todas as palmeiras que encontrei. Até daquela desacreditada, com
jeito de pouco amiga, cheia de espinhos. Em alguns casos e nos extremo de broca
asseverada, até o terçado é dispensado. A gente pode descascar o caule da
palmeira até com os dentes (não, não daquela epinhenta). Lá dentro tem uma
polpa nutritiva, hidratada que vai nos segurar saciados por um bom tempo.
Eu
já me perdi na mata e me vali de água de cipó e palmito. Garanti energia e
sustância. Caminhei um bom tempo, mantive a lucidez e varei. Sem medo.
Mas
a questão é mais profunda. Implica interpretar os sinais. Limitar os impulsos.
Custei que só para me entender com a floresta. Reconhecer as entidades,
respeitar os elementais. Reverenciar a sereia, dita Iara. O Mapinguari de pé
pra trás. O Curupira justiceiro de caçador. A Cobra Grande cheia de paixões
submersas. A fertilidade de Mani. A sedução do boto.
Custei
para entender que a água encanada, vale um isso de nadinha perto de um mergulho
numa lagoa do Xingu. E que o palmito que vem na salada, servida naquele
restaurante que tem até reclame na televisão, nem dá a sustância que dá aquele
âmago da palmeira espinhenta.
Porque
à floresta não cabe prover dinheiro, lucro, fama, rótulos nem os letreiros da
TV. A floresta, generosamente, provê remediações para os aperreios, conforto
para a rotina, felicidade ao amanhecer. Prazer ao pôr do sol.
E
nos alivia da fome, da sede e desses medos e assombros que enfrentamos embaixo
do chuveiro.
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