O
alvorecer da humanidade
Morei
em Macapá no início dos anos 90. O Amapá, naquele tempo, contava com pouco mais
de 300 mil habitantes, isso na imensidão que se estende do Laranjal do Jari ao
Oiapoque e da ilha Mexiana ao parque do Tumucumaque.
Macapá,
eu comparava a um bairro de Belém. Quase uma sucursal da Pedreira. Vez em vez,
encontrava um rosto conhecido, uma turma de artistas arribada, parentes,
aderentes, e chegados dando bobeira no ir e vir da avenida Fab.
Era
uma cidade pequena, entretanto, um campo aberto, amplo, rarefeito de tensões,
de ocultas ou sutis intenções. Uma imensidão de oportunidades.
Dentre
as belezas do meio do mundo, a mim, me marcou muito a orla de Macapá. Uma faixa
estreita ainda. Ia da praça Zaguri, até a fortaleza. Dali não se varava. A rua
acabava e a outra ponta, onde se localiza a praia do Araxá, se alcançava
avançando por dentro da cidade. Para mim era o paraíso, a orla. Vivia o prazer
incomparável de estar à beira do Amazonas. Sentir o fortíssimo maral riscando o
rosto da gente, no final da tarde e até arrastando para longe a cobertura das
barraquinhas da calçada. As ondas vibrando aos pés da estátua de São José e a
lua nascendo dentro d’água. Maior, mais colorida e mais bonita lua que eu vi na
vida.
Pelo
que eu batia e virava, ali na beira, apenas uma peixaria encontrei, naquela
época. Nem era na beira. Era pelos escaninhos do Perpétuo Socorro, nos
arredores do igarapé das Mulheres. Um lugar modesto. Acanhado. Simplesinho, mas
asseado, bem arrumadinho. Só ia lá quem já conhecia, quem tinha a indicação abalizada,
e a localização bem explicadinha, fornecida por um freguês antigo. Era
discreto. E de uma fineza. De uma qualidade. A especialidade era o famoso
camarão no bafo. De tirar o chapéu! Depois que achei o lugar. Não desatei
daquele escondidinho.
Saí
de Macapá e parei em outras plagas. Passou, passou, o mundo girou, e eis que anos
depois, voltei lá. Foi em 2005. Nada, nada, mais de dez anos depois.
Participei, representando a minha categoria profissional, de evento sobre os 50
anos de Mineração na Amazônia. Só gente aquilatada. Pesquisadores, doutores na
área do desenvolvimento, renomados nomes da Geografia, da Geologia. Jornalistas
especializados no tema, sindicalistas. Um povo antenado.
Dez
anos depois, a cidade era outra. Não mais reconhecia as ligações, o recantos,
os escondidos, o caminho para a lagoa do índio. Tudo mudado. Inclusive a orla,
que agora emendava a Zaguri com o Araxá, por uma grande avenida. Uma Beira-Rio
minada, agora, de restaurantes e peixarias requintadas.
No
programa do evento, havia um almoço numa das peixarias mais famosas.
Naquela
reunião de personalidades refinadas, percebi o instinto de posse do ser humano,
de conquista, de garantia de comida e espaço. Na hora do almoço, me reconheci
no alvorecer da humanidade. Um discreto empurra-empurra científico, um
chega-pra-lá acadêmico sem intenção, um olhar corporativo de intimidação eram
sinais dos primórdios. À mesa, Peixe de tudo quanto é jeito. Frito, ao molho de
cupuaçu, na brasa, ao molho de maracujá, moqueca de Gurijuba...Mas a grande
disputa, creiam, era pelo ovo submerso na caldeirada. Naquele alvorecer da
humanidade, eu e todas aquelas pessoas de alto gabarito, nos comparávamos aos
caçadores-coletores fascinados, lutando para pescar com a concha, aquele misterioso
ovo monolítico cozido, mergulhado na caldeirada de Filhote.
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