Maria
José (Avenida Angélica)
O
sobrenome é Dupré. Mas reduzo o nome, desde quando li “Éramos Seis”, na
publicação da editora Ática de 1975. Tenho receio de cometer uma gafe. Não sei ao
certo a pronúncia para “Dupré”. Vai que é francês.
Importa,
no entanto, expressar o quanto este Romance me bate, revira e mexe.
Em
tudo em quanto. No alinhavo histórico (corta algumas fases da trajetória da
sociedade brasileira), na exposição de cenários urbanos lá dos primórdios da
expansão das cidades. Na fala e na postura das pessoas. No figurino, nas linhas
de bonde e no desenho dos poucos automóveis.
Toda
a ambientação do Romance é dinâmica: obedece a passagem do tempo. É efervescente:
notifica movimentos das organizações sociais, como as ações feministas e as
manifestações anarquistas.
E
a narrativa me cativa mais ainda quando focaliza lá dentro da família de Júlio
e Lola.
Esta
semana, fui às lágrimas com a morte de Júlio.
Tinha
uma atenção especial com o personagem. A mim ele me vem como retrato de tantos
pais que conheci. Aquele pai tradicional que bota o cumê em casa, exige
respeito e silêncio na hora das refeições, tem sonhos de montar um negociozinho,
casa própria. Aquele pai que vi em algumas dimensões, lá pelos idos de 1970.
Que era severo e sisudo no trato com a família, mas um pândego desregrado, nos ‘serões’
que fazia à beira da piscina da Palhoça, aquele refúgio pra lá de avançadinho,
que reinava em seduções, e que ficava lá pras bandas da Tavares Bastos. Aquele
pai que, embora de maneiras e costumes humildes, se esforçava para estar sempre
alinhado em boas peças de linho, de tergal e um lenço perfumado no bolso da
camisa. Um pai que entendo. Não julgo nem discrimino. Um homem no seu tempo.
Que tinha muitos filhos, fazia o tipo sério de seu fulano pra cá, seu fulano
pra lá; cuidava para que nada faltasse à família, mesmo trabalhando em ofícios
de pouca renda. Um pai distante dos filhos em idéias, diálogos e afetos. Amigo
respeitoso da esposa. E que esperava dias melhores que nunca vinham. Porque morria
antes de úlcera.
Meu
pai morreu também com um dodói no estômago.
Outras
adaptações foram exibidas na TV. Não tomei conhecimento dessas edições. Falta
de oportunidade. Desta vez, calhou de passar exatamente no horário em que atravesso
a baía. Vejo as cenas na tela. Não dá pra ouvir por causa dos barulhos
ambientes. Mas reflito sobre estes sonhos cultivados, o planejamento do futuro,
a casa, o comerciozinho, a escola dos filhos. Horizontes acalentados que
desaparecem de repente, como foi no caso de Júlio e de tantos outros papais que
conheci.
A
vida e o Romance seguem, agora com Lola tomando pé. Assumindo a família. E de
novo, um contexto refletindo as inúmeras famílias que conheço. Comandadas por
mulheres.
Meu
pai morreu alagado pela hemoptise e mamãe, sozinha, sem eira nem beira, nos
criou vivendo da marretagem. Vendia até as amostras grátis dos perfumes, se
isso, ao freguês, lhe aprouvesse. Como na família fatiada pela perda do pai, em
“Éramos Seis”, na minha, também havia a tia rica, incertezas e o milagre da
vida se realizando a cada nascer do sol.
Pesquisei.
Diz-se como se escreve. “Dupré”. Oxítona e com o /e/ aberto. Uma escritora premiada,
de texto apurado, um tanto esquecida (que bom que a novela a trouxe de volta) que
emociona e me fez, na primeira visita a São Paulo, fazer de um tudo para
conhecer a Avenida Angélica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário