Sinhozinho,
a mãe primata e o pregador de roupa
Ele
não morava mais na mina. Fazia parte de um grupo seleto de pioneiros que
iniciou a mineração em Rondônia. Aparecia nas frentes de trabalho somente para
consertar o que ninguém consertava. Mecânico leigo, fazia e acontecia com uma
chave de torque na mão. Homem de pouquíssimas palavras, contraditoriamente se
animava quando a prosa ia pros lados das histórias de caçador, lá daqueles
tempos antigos. Já peguei a fase de caçador arrependido. Ouvi várias vezes a
passagem em que ele derruba a mãe macaca. Em algumas ocasiões penitenciou-se e,
contrito, advertia que o macaquinho parecia gente. Parecia que rezava.
Aconteceu
certa vez. Numa das suas caçadas, avistou no alto da árvore, a macaca com um
filhote nas costas. Apontou a 12 e com um tiro certeiro, derrubou os dois.
Quando se aproximou, percebeu a mãe primata sem vida, estirada no chão. Ao
lado, o filhote pulava, gritava, rolava na terra. Segundo o relato de
Sinhozinho, o macaquinho sem a mãe, não iria sobreviver na floresta. Tinha a “missão”
cristã de sacrificar o filhote. Ao apontar a arma, notou que o macaquinho saiu
daquele estado de desespero, virou para o lado dele, aproximou-se. Agachou-se,
juntou as mãozinhas. Era como se rezasse, consternado tempos além, revelava
Sinhozinho. Parecia uma súplica. Um pedido de clemência. Parecia gente. Naquela
época, de caçador implacável, Sinhozinho não fazia essas reflexões. Atirou.
Se
alguém ainda não viu de perto a mão de um macaco, eu asseguro. É igualzinha à
nossa. A disposição dos dedos, a articulação da falange, da falangeta. É
escritinho a nossa pegada.
Em
uma outra ocasião, constatei esta anatomia. Ao chegar no meu acampamento,
depois de uma exaustiva caminhada, na maior broca, o que encontrei para comer
foi só carne de macaco. Vi o crânio, as mãos, os pés do macaco, descartados. As
partes nobres cozidas na panela. Não consegui comer. Para mim, era como se
fosse comer o meu avô. Bateu em mim uma angústia antropofágica. Uma consciência
de parentesco. Uma pena ancestral. Uma desolação filogenética.
A
Taxonomia é a parte da Biologia que relaciona características iguais entre os
seres vivos. Olhando por esse lado, me senti atingido por aquele tiro que
Sinhozinho disparou e acho que agi certo em declinar daquele ensopado, no meu
acampamento. As semelhanças entre mim e aquele almoço eram incríveis.
Essa
parecência e esta solidariedade, já não acontecem com o carrapato. E tão distinto é, que Sinhozinho não contava
um drama sequer envolvendo o artrópode.
Tenho
pensado sobre a evolução do carrapato. O único degrau evolutivo alcançado que
consigo associar o aracnídeo hematófago está ligado ao comportamento social. O
bichinho é dado. Está sempre acompanhado de mina de parças quando a gente topa
com ele, numa folha caída no bosquinho.
Assisti
a um vídeo do maravilhoso Ariano Suassuna, e atinei bem para os argumentos que
usa ao negar a Teoria da Evolução. Diz não acreditar que o homem veio do
macaco. E que o macaco, por mais esperto que seja, jamais criaria uma
engenhosidade do status de um pregador de roupas.
Penso
que podemos explorar além dos rasos das opiniões. Pesquisar (olha que fucei um
feixe de literatura e não achei texto em que Darwin tenha dito que um ser
dormiu macaco e acordou humano). E ir mais além. Procurar semelhanças e
diferenças entre nós, o carrapato e o ensopado de macaco.
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