Mundiado
Tirando
pelo certo e justo, se a gente for na onda da mundiação sem limite e do
abismamento inevitável, não desaprega o olho daquele traçado rochoso. Passa
horas, dias, eternidades fitando aquele enfileirado de montanhas de topos
pontiagudos e branquinhos. Silenciosos. Misteriosos. É coisa de entontecer. A
paisagem andina é um espetáculo que, ajudado pelo ar rarefeito da altitude, nos
tira o fôlego.
Eu
já tinha me deparado com a cordilheira em outra ocasião, quando fui ao Peru, a
trabalho. Na época, aliei aquelas imagens coletadas da janela do avião, com
outras impressões tiradas de filmes, documentários, séries do National Geographic,
sonhos... e escrevi uma crônica falando das montanhas.
Desta
vez não foi da janela do avião. Foi de palmo em cima mesmo. Caminhei no meio da
neve, senti um anuviamento das ideias por causa da altitude, me aperreei com a
falha na suspiração, mas tirei a cisma. A cordilheira é um mundo de maravilhas.
Não
tão lírico como interpretei na crônica que fiz da primeira vez que nos batemos.
Antes, tinha visto as montanhas com uma plástica rígida, irretocável. Tecida em
arremate divino, em força transcendente. Uma obra completa, perfeita.
Agora,
no Chile, vi de uma outra forma. Mais humanizada. Ou mais naturalizada.
Comparei os paredões gelados com os compartimentos de uma casa desarrumada. Um
arranjo sem arremate, inacabado. Com todos os processos construtores em
andamento. Em sofrido movimento.
E
se a gente for reparar direitinho, é essa sensação que as montanhas provocam na
gente. As rochas são dobradas, esticadas, truncadas, cortadas, depois se unem
de novo, sobem, descem, quebram-se, enrijecem-se, esmigalham-se, espalham-se em
blocos grandes pelo leito dos rios. Quando vão ganhando altura, combinam-se em
topos bicudos e rumam para o céu.
Se
a gente fica estatuinha da silva para contemplar a cordilheira, a gente se
convence de não estar patetando, usando o tempo indevidamente olhando para uma
paisagem imutável. O que se apresenta aos nossos olhos, vale a pena. Mesmo que
pareça um cenário estático, parado no espaço, a gente não desliga daquele longe
belo. Não tira os olhos.
Depois,
conhecendo os detalhes, é que a gente vai percebendo o movimento, a vida dos
Andes se realizando nos grandes blocos de rochas.
A
cordilheira dos Andes é formada por um processo de dobramento conhecido como
orogênese. Que no frigir dos ovos e no subir dos picos, quer dizer “formação de
montanhas”. Ativada por eventos poderosos, a crosta se ergue, num movimento
comparado ao de uma esponja, dessas de lavar louça, sendo comprimida das
laterais para o centro. Experimente. Pressione a espoja nos flancos e veja que
no meio, ela se eleva. Escritinho assim, é em alguns pontos do Planeta. A
pressão é constante. A força não acaba (ou vai levar uns milhões de anos para
acabar) e as montanhas como os Andes e o Himalaia, vão crescendo. Ficando mais
altas. A última medição diz que o Everest, o ponto mais alto da Terra já é um
taludo de 8.844m. A cordilheira dos Andes abriga a montanha mais alta fora da
Ásia, o monte Aconcágua, com 6.962m. E continuam crescendo. Estudos mostram que
os dobramentos crescem em torno de um metro a cada século.
Do
Everest não. Mas do Aconcágua, fiquei um isso aqui de distância. A casa é
desarrumada, a cordilheira é um arranjo imperfeito, é uma formosura
serpenteada, e por isso mesmo, mundia a gente.
Mundiado fiquei, salve Sodré!
ResponderExcluir