Não
dê bobeira
Sou
movido a pré-programas. O planejamento é minha regra. Minha língua é o Excel e
suas fórmulas de simulações e previsibilidades.
Por
isso, logo ao chegar a Santiago do Chile, estava com a estratégia de retirada
toda montada. Sabe aquela pessoa que mal chega no lugar e já se preocupa com a
hora de voltar? Sou eu. E a meta era em alto nível, no estilo nativo
santiaguino. No meu pensamento chegaria ao aeroporto, para a viagem de volta
dali a 10 dias, pelos meios mais baratos. O que incluiria transportes populares
como ônibus e metrô.
Obviamente
que precisaria passar por um adestramento. Teria todo o período de férias para
treinar, conhecer itinerários, estações modais.
Informa
daqui, pergunta dali e encaramos.
Começamos,
eu e minha companheira, a nos deslocar com certa facilidade na cidade. O metrô
é bem eficiente, tem horário regular, duas ou três ramificações. Fizemos todo o
nosso roteiro de metrô. Estávamos craques. Uma recomendação se repetia a cada
dica que solicitávamos sobre transporte e passeios pela cidade: o cuidado com
as bolsas e os bolsos. Avisados fomos a não dar bobeira.
Santiago
é um cartão postal. É meio Rio de Janeiro do Cristo. De qualquer canto da
cidade a gente se encanta com a beleza da cordilheira. Há o fenômeno
atmosférico no final da tarde que faz as montanhas refletirem cores diversas. O
brilho esbranquiçado da neve ornando o cume pontiagudo das montanhas é um
espetáculo rotineiro. É um lugar tranquilo. Seguro. Casos de assalto ou
abordagens violentas são raríssimos. Não obstante, como toda metrópole, abriga
os oportunistas, os descuidistas. Batedores de carteira, gatunos, mãos-leves
são peças batidas no arranjo urbano. Neste aspecto, nada diferente do que
passamos aqui em Belém na hora de subir nos ônibus, naquele empurra-empurra. É o
momento preferido para o desfecho do golpe. É o instante que a gente dá
bobeira.
Num
desses deslocamentos que fizemos, de metrô, dei bobeira. Era hora do pico. Um
aperta-cunha inevitável. Um sujeito limpinho, arrumadinho, branco, bem vestido,
dissimulado, abriu o zíper da minha calça e se não sou rapaz, tinha dançado. Flagrei
o janota perfumado já pinçando os poucos pesos que eu tinha no bolso. Dei o
alarme, segurei na mão dele, apliquei-lhe uns golpes de street fight pedreirense
e ele saiu correndo com mais de mil. Não levou nada. Mas impactou. Assumi a
versão gato escaldado e achei prudente, depois do ocorrido, alterar meu
planejamento de volta para o aeroporto. Fui ao Excel e substituí o transporte
modal popular pela segurança do transfer out oferecido pelo hotel.
Agora
tem muita graça eu, neguinho da baixada, sair aqui da Pedreira, do furdunço de
fim de tarde nos ônibus lotados de Belém, para ser alfobitado por um chileno
entalcado. Mas quando, já!
Foi
bobeira. Um momento de distração e uma facilidade até incomum dada ao ladrão. A
época é de muito frio em Santiago e o normal é a gente andar com muita roupa.
Normalmente usava três calças comuns além de uma calça térmica. Dinheiro e
documentos, sempre carregava ensanduichados, entre o feixe de calças. Nesse
dia, exatamente, como faríamos uma saída apenas para um lanche noturno,
relaxei. Reduzi o vestuário e guardei o numerário na roupa de cima. A ocasião não
fez o ladrão empoadinho, mas adiantou pacas o lado dele. Dei bobeira.
Se
não sou rapaz...
Égua rapá, ia ficar feio pru senhor!
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