Meu amigo diplomata
Eu sempre fui comunista, e daqueles
radicais, de não usar calça ‘ustop’, de achar que a Sibéria é uma estação de
inverno e de dividir a minguada ração de pão-doce-com-garapa com o companheiro
naqueles congressos estudantis paupérrimos. Sempre quis a liberdade, a
igualdade e a fraternidade. E foi assim, à francesa, que cheguei, um dia a ser
sindicalista (aliás, não gosto desta adjetivação. Prefiro a locução ‘líder
sindical’. ‘Sindicalista’ parece com ‘seringalista’, que era o barão dominador
nas relações impostas pela exploração da borracha. Uma peça chave no sistema
extrativista cuja lembrança só me volta tristezas e mágoas).
Enquanto líder sindical, então, acumulei
experiências que flutuaram entre a bizarrice e a mais agradável surpresa.
Quanto aos absurdos, prefiro guardar as
minhas impressões para uma horinha mais aprumada na paz.
Agora as surpresas agradáveis cabem
direitinho aqui:
Era um momento em que estávamos com a
corda toda. Como se dizia na época: formulando, articulando, encaminhando.
Soubemos então, que o presidente da Vale
do Rio Doce estaria em Belém para fazer a entrega de um piano que havia sido
restaurado com recursos da empresa. Era a chance de um téti-à-téti com o homi.
No dia da cerimônia, estávamos lá
daquele jeito. Carro som, discursos acalorados, motivos e coragem. Os
assessores, por isso, entraram em ação para as combinas, as negociações. Entre
um colóquio e outro, arriou um toró daqueles, mas nós não arredamos o pé. Ao
ver tamanha obstinação, um dos negociadores se compadeceu e garantiu o nosso
encontro com o presidente da Vale, contanto que parássemos o barulho e
permitíssemos os preparos para o show do Artur Moreira Lima. Concordamos.
Alguns minutos após a chegada do
presidente, fomos autorizados a entrar no complexo de Santo Alexandre para um
encontro reservado. Houve, porém, de passarmos pelo salão onde estavam os
convidados. Foi por certo, uma cena inusitada. Estávamos completamente
molhados, pingando, em camisas de manga, tênis. O nosso saudoso advogado, Dr. Geraldo,
era o único que ostentava alguma elegância, alinhado em paletó e gravata.
Completamente encharcado, no entanto.
O clima, porém, amenizou bastante quando
nos encontramos com o Dr. Jório Dauster. O embaixador era a personificação da
educação e da urbanidade. Nos cumprimentou a todos, inclusive com abraços
discretos, mesmo sob o risco de respingos. Na hora do ‘vamos ver’, deixei de
lado a missão sindical e tietei sem acanhamentos. Falei que era um prazer para
mim, estar diante do intelectual responsável pela tradução de Lolita, um dos
mais belos e polêmicos romances de Vladimir Nabokov e parari, parará. Rasguei a
maior seda. Ele recebeu com surpresa aquela investida, mas metabolizou com
diplomacia os meus chiliquitos de fã, e logo em seguida se animou em comentar
outros trabalhos que ele tinha feito sobre a obra do escritor russo. Mas o
chove-não-me-molha literário durou pouco. Tínhamos uma missão. Entreguei a
carta ao diplomata-presidente da Vale e nos despedimos com a esperança de que
ele um dia nos responderia sobre as nossas mais nobres, justas e vastas
reivindicações.
O tempo passou. Os sonhos sindicais se
perderam mais em bizarrices do que em surpresas agradáveis.
Dias depois daquele encontro, recebi uma
encomenda. Era um exemplar do romance Machenka, enviado e autografado pelo Dr.
Jório Dauster, com um texto amigo e respeitoso na dedicatória.
Sempre fui comunista. Mas, também,
sempre admirei os bons homens. E de uns tempos pra cá, passei a desconfiar das
minhas certezas sobre a Sibéria.
Acredito que quando se fala em trabalhador e líder sindical vem logo o termo, é analfabeto, quando se iguala em conhecimentos das escritas, causa um choque. E foi isso que nós levou longe.
ResponderExcluirUlha, que coisa hein!?
ResponderExcluirUlha, que coisa hein!?
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