Aos
mestres e às mestras (com carinho)
Ocorreu
desse jeitinho: o livro do semestre era “O Pirotécnico Zacarias”, de Murilo
Rubião. O trabalho pedia que comentássemos um dos contos do livro. Escrevi
quase outro conto sobre “Os Dragões”, de tão entusiasmado que fiquei pelo
estilo do escritor. Alfredinho corrigiu e elogiou meu texto nas outras turmas
que ele tinha, de forma tal, que quando foi entregar a nota, todos sabíamos da
opinião dele. Uma pessoa doce, justa que era, professor Alfredo Oliveira informou que um aluno
perdera dois décimos no trabalho, mas estava ali a pedir autorização da turma
para que arredondasse para dez a nota. A turma, conhecedora dos fatos, em
uníssona galhofa sentenciou: “nãooooo!”...
Estudar
durante o regime militar não era fácil. Dos limites da Educação básica, até o
Ensino superior, a caminhada era, quase que literalmente minada. Marcação
cerrada do sistema, repressão, dispersão de idéias e amizades. Cooptação de
professores, pressão por todos os lados.
A valência
é que, enquanto um grupo de professores nos cobrava atitudes marciais e
posturas submissas, uma outra fração, de inspiração libertária, postou-se no
front e resistiu empunhando a arma do conhecimento. O primeiro impacto, a
radiação primitiva emanada por este ponto quente dos saberes, eu senti vindos
de uma professora extremamente vigorosa. Era o reverso da senhorinha de
Educação para o Lar. Aquela que usava uma rede para segurar o cocó do cabelo.
Ao
contrário das mestras da época, era bem novinha, tinha cabelos largados, sem
cocó e se vestia descontraidamente. De prima, representava uma ofensa ao
regime. Franzina, quando iniciava a aula, virava uma leoa. Parece que empregava
toda a sua energia na tarefa de nos armar de conhecimento. Trago comigo a
agudeza, a contundência com que articulava a lição do dia. “Locução”. “Locução
verbal”. E expunha aquele regra com uma voz quase adolescente, mas com a
indicação madura de que algum dia nos imporíamos ao sistema pela eficaz
articulação dos verbos (anos mais tarde, representando minha categoria
profissional diante de engalanados executivos patronais, e que se diziam
controladores de nossos destinos, revisitei a mensagem da minha professora
afirmando que através do conhecimento, não nos dobraríamos diante de ninguém.
Travamos grandes embates, eu e os executivos. Pisar em mim, como intentaram, não
pisaram. Os confrontos foram pau a pau. Ganhei uma ligeira vantagem, porém, quando descobri que não sabiam o que era uma
‘locução verbal’).
A
marca mais profunda de resistência que trago, dos anos de chumbo, me vem também
da palavra. E me foi cravada pelo meu professor Alfredo, na Escola Técnica.
Ele
foi meu agente libertador. Creu em mim. Validou meu verbo. Carimbou minha
escrita.
Com
o peso diário de pertencer a uma minoria perseguida, Alfredinho, como nos
permitíamos tratar, foi um revolucionário. E a mim, possibilitou um futuro que
me faz ocupar esta página há treze anos...
Após
o bandalho desconcerto do ‘nãoooo!”, todos concordaram e Alfredinho desenhou o
dez, bem desenhadinho na capa do meu trabalho. De lá pra cá, não parei mais de
escrever.
A
professora que não usava cocó e Alfredinho, que assumia os reveses de ser
minoria, foram minha valência.
Neste
fim de março, aos mestres e mestras, minha homenagem. Com carinho.
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