Gargarejo
com jucá
Do
início ao fim, a minha vida estudantil se realizou no regime militar. De lá,
trago lições e apreensões.
Devo
dizer que o tom desta conversa, entende o início da minha trajetória, na
Primeira Série Atrasada da Aparecida, escola mantida, à época, pela Igreja; e
testifica o fim se dar na minha formatura, pela Escola Técnica, em 1982, nos
estertores do regime, quando o presidente do Brasil era o Figueiredo, general que,
ao cheiro do vulgo, preferia a catinga dos cavalos.
Naquela
primeira fase, de Ivo viu a uva e contas de arme e efetue, na Aparecida, não
percebia os braços fortes da pátria mãe me aplicando uns transpescos (daqueles
que se notabilizaram aos costumes). A atmosfera era pueril, branda. Inspirava
inocência, traquinagens da idade, mas, de regra, quietude.
Quando
entrei para o primeiro grau, o dito curso de quinta a oitava, a chapa
fervilhou. O hino todo dia era canto certo. Os dois primeiros anos, avalio que
foram civilizatórios. Era o período de adestramento (imposição de regras de
comportamento, de linguagem casta; recomendações quanto ao jeito de andar, de
ser e de estar). E de higienização (minha professora de Educação para o Lar olhava
nossa unha se estava aparada, procurava sujinhos atrás da orelha,
certificava-se de olhos remelentos na turma, inspecionava a bainha da calça dos
meninos e o plissado engomado da saia das meninas). Era uma senhorinha que
usava ainda, rede nos cabelos. Não empregava a palmatória, mas reinava. Desconheço
a formação daquela professora para estar ali, praticando a pedagogia asséptica.
Mas que deixou marcas em discretos puxões de orelhas, deixou. Para não ficar na
lembrança como uma pessoa tão ranzinza, a cada final de período, dava uma
forra. Fazia uma salada de frutas (com os ingredientes todos fornecidos por
nós).
Nos
dois últimos anos, sétima e oitava, percebi a doutrinação. Havia um professor
de Educação Moral e Cívica, cuja missão única e definida era fazer propaganda
do governo. Contávamos como questões certas de prova, saber o nome dos
ministros de Estado. E era tão dedicado
e tão incisivo na missão, que inculcava na gente aquela plêiade oficial.
Éraste! Até hoje sei o staff de Figueiredo inteirinho do couto e silva. Não sem
dor. Tenho este elenco na minha memória como um insubmisso trauma.
Além
do viés ideológico, o regime permitia posturas algo sádicas, perfeitamente
percebidas em professores que, fosse hoje, fariam coro com a turma da escola
sem partido e a dos cinegrafistas de alunos.
Um
caso desditoso, depois do primeiro grau, malfazejamente, foi me achar na Escola
Técnica.
Tratava-se
de um professor de Inglês que exigia nossa camisa abotoada até o último botão,
a nos apertar o gogó; não deixava que a gente colocasse pés, livros, bolsas e outros
trecos no compartimento de baixo da carteira da frente; proibia idas ao
banheiro. Escolhia sempre uma menina branca e aporcelanada para chefe de turma
e tinha um pigarro. Mas não era aquele pigarro que antecede a tosse ou que
arranha o goto. Era uma contração que provocava um ruído pra dentro. Dizíamos
que ele tinha um pigarro intrínseco. Um embaraço íntimo. Uma vergonha gutural.
Era o espasmo ideológico do regime a sufocar-lhe o senso. Uma lição e uma
apreensão: nesses casos, nem o gargarejo com jucá dá jeito.
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