Nada
mudou na Áustria
Conhecia
o filme. Sabia da história. Tinha noção do poder da música no roteiro. É pela
música que a governanta Maria conquista os sete filhos de Von Trapp. E é
também, pela música, que a noviça abranda (subjuga, converte) o coração marcial
do capitão.
Eis
que no último sábado, dei com a exibição do filme na TV. Parei para assistir.
Eu
me passo pra esses filmes antigos, musicais então, me babo. O colorido do
figurino e uma certa ingenuidade nos epílogos, me aprazem. A extemporaneidade
com que as músicas são inseridas nas cenas e a síncope narrativa, abrindo vaga
para uma orquestra invisível, são elementos que emprestam um quê de ousadia aos
musicais.
A
Noviça Rebelde traz esta forma clássica de fazer cinema envolta no manto
aquecido e transformador das canções. Dá finalidade à música (que é personagem
de alto significado na história), em contrapartida, alinhava as mudanças na
vida do par romântico, com o cordel asfixiante da ocupação nazista na Áustria.
A
música salva a família. Von Trapp é um pai chato, tradicional. Adicionalmente é
um patriota ferrenho. Fiel defensor da soberania austríaca (a cena que ele
rasga a bandeira nazista desperta imensa empatia). Sente-se aperreado com a aproximação
do flagelo alemão. Vê-se pressionado por uma fatia poderosa da sociedade, que
por conveniência e, também, por um apego desmedido ao poder, quer porque quer
enlaçá-lo e submetê-lo ao comando nazista. A subserviência do núcleo poderoso
da Áustria ao nazismo se sustenta no pragmatismo. Ansiosos por uma beirada de
poder, procuram convencer a população de que, mesmo sob o domínio de Hitler,
nada será diferente na Áustria. Manejam a política de submissão, fazendo crer
que a vida seguirá do mesmo jeito. Arregimentam milícias e alcaguetes para
apascentar os descontentes.
A
família Von Trapp que não é besta nem nada de acreditar nas fake news dos Alpes
austríacos, diante daquele futuro de horror, cuida de fugir.
Arquitetando
a arapuca, o comando nazista, com a intenção de enganar os incautos, aceita
patrocinar um festival tradicional de música, fermentando a imagem de parceiro
cultural e amigo do povo. As crianças, que por influência da noviça rebelde se
destacaram como um coro de qualidade, haviam sido convidadas para cantar no
festival. Ao se reconhecer acuada pelos inimigos, a família, momentos antes da
apresentação, tenta a fuga. Dedurados por vizinhos, são alcançados pela
milícia. Tentam livrar-se, argumentando que estavam, a família em peso, a
caminho do festival. O nazista convertido que liderava o grupo (antigo desafeto
de Von Trapp), faz que aceita a mentira e, cinicamente, escoltando a família
até o festival, afirma com aquele desequilíbrio comum aos sádicos, que não há
razão para fugir, porque nada mudou na Áustria.
Não
vou contar o final do filme. Já deixei escapar que a música salva a família. A
música é a resistência, a garantia de sobrevivência. A história nos conta que,
apesar da oposição do capitão, a anexação da Áustria pela Alemanha foi
referendada por um plebiscito ‘controlado’ realizado pelos nazistas.
A
música, é uma pena reconhecermos isso, salva alguns. Infelizmente não nos salva a todos. Recentemente a Áustria encabeçou a guinada européia para e
extrema-direita. Nada mudou.
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