Outros
quinhentos mirréis
Meu
coração tem aquele sereno jeito denunciado no Fado Tropical do Chico Buarque.
Fica só na dele. Batendo com intenção. Vibrando com dolo. Mirando, cadenciado,
outros corações.
É
dado molengão que só ele às artes da paixão. Dor outra não conheceu que não
fosse a do amor impossível, aquele negado cruelmente. De mal qualquer sofreu um
dia que não houvesse sido ilustrado pelo romantismo mais desbragado, pela mais poética
jura de enlevo ou adoração.
Era
um cara acostumado às peripécias do coração. Angústias me eram combustível para
versos verdadeiros sem rimas, mas aquecidos, sublimados. Um beijo negado era um
isso para eu evaporar de mim. Leve nos padeceres, abismal nos meus devaneios, fluido
nos meus ardentes desesperos.
O
lírico pulsar dentro de mim, atualizava a cada instante a doce certeza de que
definharia, na boa, dos males do amor, sem dizer um ai.
Agora
de outros males do coração, já é outro papo. Aí são outros quinhentos mirréis.
Pois
não é que o bichinho aprontou. Em agosto próximo passado, dando aquele pique na
esteira, no exame de rotina, a minha corrida foi subitamente interrompida. O
médico me mandou descer, não tirou os conectores e pediu que eu esperasse lá
fora. Qualquer coisa, friozinho incomum, tonteira, essas piloras estranhas, que
eu batesse na porta imediatamente. “Como assim?”,pensei cá com meus tênis de
correr na esteira.
De
lá até aqui, foi um correr atrás (sem correr, e sem fazer esforço nenhum)
cauteloso, objetivo. Com traço e jeito pra não desesperar. Exames pra cá,
consultas pra lá. Diagnósticos, prognósticos, avaliações. O troço teve remoso.
E
eu que sou, no duro besta, não! Logo que vi a guinada do vento, tratei de me aviar.
Após ter a interpretação do exame ergométrico, me entreguei à sensaboria de
novas experimentações culinárias. Sem o sal que para mim era a luz do mundo.
Sem a sedução do açúcar, sem a ousadia de um hambúrguer do canal com direito à
catchupe e maionese à vontade. E sem, oh, dor... E sem a rodada de gelada no
final de semana.
Dei
uma aquietada, e só com esta revirada na rotina, perdi quase cinco, dos oito quilos
necessários para harmonizar o meu IMC.
Foi
uma cartada certeira. Meu tratamento vai exigir mudança de hábitos. E eu já
estou no meio do caminho nas conquistas.
Meu
coração sempre foi afeito a afetos. Disponível às liberdades e às diversidades.
Não lhe apraziam as regras ou estatutos. Arrisco dizer que se deixava levar por
tentações bandalhas, pra lá de livres. Era coração bola de balão. A mecânica fisiológica
fundamental da minha vida era mundana. Um músculo insubmisso. Um vândalo
gerador de impulsos eletromagnéticos e de cargas potentíssimas de carinhos,
paixões, afeições, amores, paixões.
Esmigalhado
por uma corrente passional arrasadora, dizimado pelas ilusões do amor, aviltado
por ‘retoques trágicos’, o meu lírico pulsar lembra a doce certeza de que
extinguir-me-ia, na boa, sem um ai.
Por
outras paradas, não... Não seria na boa. Aí, se dariam outros quinhentos
mirréis.
O jeito
é capitular, pedir pira-paz. E me acostumar com a sensaboria das dietas e dos
dias.
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