Esta
é uma crônica de Natal. Terça-feira, nossos corações estarão abrandados, nossas
desavenças superadas e eu vou antecipar meu ato penitencial em latim.
Errar
é humano, perdoar é divino. Esta é a mensagem do título.
Eu
fico só olhando essas pessoas que têm a capacidade de relevar. Conheço algumas.
E nem sei se reconhecem em si este dom. Antes até do talento de deixar pra lá as broncas,
penso haver casos em que elas mesmas, um passo antes, não se sintam ofendidas.
Não acham motivos para perdões futuros. São personalidades impermeáveis,
ponderadas demais. Realizam-se na superfície. São imunes a trancos e barrancos
e displicentes nos revides. Consequentemente, utilizam pouco o expediente do
perdão. Vivem na cordialidade letárgica. Num servilismo empombalecido.
Não
é o meu caso.
Donde
vem o baque, eu sinto. Futilidades, pilhérias corriqueiras me ferem de morte.
Bandalhas ou encarnações, calúnias fugazes, golpes sutis me corroem o ânimo e a
paciência. Avalie, ser for na vera. Pensa tu, o quanto um choque violento me
machuca. Ante a uma investida desleal, não tem escapatória. Fazer arminha com as mãos, pra mim é pira-paz. Rapidola
que fico de mal a morte. E pra ficar de bem de novo, é um custo. Se perdoar é
divino, humildemente reconheço que estou a anos-luz da divindade,
Mas
tenho que reconsiderar. Deixar aflorar de mim o espírito do Natal. Estamos em
tempo de remissões, de reconciliações. Juro que vou fazer um esforço. O alvo
das minhas indulgências será a categoria de pessoas que cometeram atos que a
mim pareceram deslizes, pequenos erros onde não estava contido o dolo.
Ausências
pautadas no coração serão caprichosamente anistiadas. Delírios românticos,
veleidades compensadoras, desterro feliz em nome da aventura e do gozo, para
mim, viram traquinagens mínimas dignas do abono da paz. Porque em nós, a chama quando
arde no peito, nos cega do entorno e dos entes. E não há premissas ou combinas
e nem afetos ou carinhos vãos que superem o chamado denso, vibrante da paixão.
É perfeitamente perdoável que uma pessoa que ames tanto, que tenhas como um
pedaço de ti, que te nutre e te costrói, que te molda e te desvela, que te
satura de serenidade e te percola de segurança, um dia desapegue e procure voar
em outros céus, busque o abrigo de outros colos, garimpe pepitas de mais
brilho, escave fontes de águas mais doces e claras. Acontece com os filhos da
gente.
E
nada mais falarei sobre estas pungentes ausências ensejadas nos pulsares
acelerados do coração. Que dão aquele aperto no peito da gente, provocam choro,
alguma desilusão, mas sei, são movidas sem intenção de machucar.
Um
dia, os filhos se mandam mesmo e não dão nem as horas.
Peralá,
peralá. Acho que caiu um cisco no meu olho.
Uma
lágrima involuntária me faz crer que o título em latim é uma fuga. Uma falácia. De
certo, é a dissimulação da saudade. Da doce lembrança. É camuflagem para meus
sentimentos mais sinceros. Como defesa, imputo erro, onde há paixão; descrevo
deslize onde o que versa é a solidez reconhecível do afeto, que mesmo
relutando, a gente de longe reconhece.
O
que se tira é que o pai, totalmente entregue, quedado à doces recordações, cria
culpas na cria. Inventa moda em latim. Rebusca em língua morta a viva solidão que
é tanta, de a gente não se agüentar.
E
esse cisco...
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