Quebrando
o gelo
A
lembrança mais marcante, aquela que se instalou profundamente na minha memória
climática, é a daquele bonecão inflável do papai Noel que ficava ali no largo
de São Brás. Era uma fase da vida, início dos anos 2000, em que eu passava por lá,
de ônibus, plena meio dia, vindo da universidade. Azul de fome, a cara de
pupunha brilhosa, e em tempo de correr doido de tanto calor, mas ainda arrumava
uma beirinha de resistência para me apiedar do bom velhinho torrando debaixo
daquele sol de novembro.
O
bonecão, erguido por fios resistentes, e atado às estruturas dos prédios
comerciais do entorno, compunha um cenário, olhando pelo lado da funcionalidade
e da confortabilidade urbana, apavorante. Sabe aquele horário em que a
temperatura bate lá em cima e a sensação térmica é de pirar de tal forma que a
gente tem aquelas ilusões de ótica e, dentre as pirações, vê a pista se
mexendo, tem a impressão de se formar planos espelhados no asfalto, parecendo
poças d’água? Pois é. Junte-se a isso um papai Noel suspenso, como se o boneco
estivesse até tentando escapar de ser fritado no asfalto. Isso pra mim, sim, é
Belém em novembro.
Não
essa Belém glacial que estamos vivendo nos últimos dias.
Para
quebrar o gelo, devo lembrar que sou um sujeito que perscruta o tempo. E
revelo, também, que reconheço o malabarismo elaborado que temos que fazer para
falar e escrever as variações do verbo perscrutar. Mas, confesso, coloquei o
verbo aqui de propósito, porque acho que somos movidos a desafios (eu mesmo,
antes de transcrever no texto, fui até o Google umas duas vezes para me
certificar da grafia, porque nunca acho possível acertar de prima, o termo e o
jeito desta palavrinha tão desafiadora).
O
meu desafio diário conta com os conformismos do tempo. Ano passado, o final de
novembro foi de uma secura, de um poeiral, de pressão atmosférica baixa, vento
e muita onda na baía do Guajará, nos finais de tarde. Não foi diferente dos
outros anos que tenho perscrutado. Para mim, era certo e batido que chuva,
ainda que fininha, só viria lá pelos meados de dezembro.
Mas
quite. Veio sem nem esperar novembro dar o até. Entremeada entre fina e grossa,
e encarreirada, varando os dias e as noites. Bem perscrutadinho, nos dez
últimos dias de novembro, posso afirmar que choveu pra dedéu.
Meu
amigo Rubem Neto, que também é um perscrutador informal do clima, me enviou
esta semana, declaração divulgada pelo Instituto Nacional de Meteorologia, que
diz ser mesmo, esse toró, uma surpresa. E que este novembro está registrado
como o mais chuvoso dos últimos 30 anos.
Eu
falei ali atrás, das altas temperaturas. E estava mesmo um forno até dia
desses. A chuva trouxe temperaturas mais brandas. Aí, já viu, esfriou um
pouquinho, a gente põe logo o casaquinho. Eu já estou dormindo de meia, e nem
tenho vergonha de dizer.
É
natural o corpo sentir. Em mim, me dói logo o reumatismo. Nada, nada, foi uma
queda de pelo menos 10 graus, de uma hora pra outra. Isso, para o paraense, é um
choque térmico. Risco de ter congestão e ficar com a boca torta. Tem que se
aviar nos zelos e se agasalhar mesmo.
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