sábado, 15 de dezembro de 2018

crônica da semana - o jambeiro e o jucá



O jambeiro, o futuro e o pé de jucá
De maneira alguma, entendo que pôr uma garrafa de água congelada sobre a mesa e dispensar um tempo da vida admirando a revolução da natureza, ali, seja sinônimo de patetice, ou mesmo um ato de vilania contra quem chegaria a seguir e não encontraria uma água friínha para beber porque estraguei a nossa reserva de gelo.
Muito pelo contrário, penso que a partir dessas experimentações, podemos nos adiantar e nos proteger contra os alarmismos inconseqüentes ou as verdades preocupantes.
Seja porque torne, seja porque deixe, uma coisa há de se considerar: o Brasil está relacionado entre os dez países que mais produzem emissão de gases poluentes para a atmosfera, numa lista que tem China e Estados Unidos na liderança.
Aqui em casa, a gente costuma colocar uma garrafa de água no congelador. É para garantir que naquele momento de muito calor e consumo irrefreável, a gente tenha água gelada para beber.
Outro dia, me deu na telha de observar o processo de descongelamento da água. Tirei a garrafa do congelador, e a bicha estava puro gelo, dura como uma tora de pau-ferro. Pus sobre a mesa e fiquei ali na bicora dos acontecimentos.
Depois de um tempo comecei a perceber as modificações. E são aquelas, óbvias, que a gente está encriquilhado de saber. Aparece uma camada de água na parede externa da garrafa e por dentro, o gelo começa a derreter e voltar para o estado líquido.
Usei este exemplo da garrafa de gelo quando fui explicar a chuva, numa cartilha que elaborei para a Secretaria de Meio Ambiente de Barcarena, e que foi usada numa campanha de educação ambiental desenvolvida junto à comunidade. Os fenômenos que ocorrem na escala da garrafa sobre a mesa, são da mesma natureza daqueles que se realizam em escala planetária. E justificam zonas climáticas, alterações sazonais no ambiente, fluxo de calor, correntes de ar e das águas dos oceanos.
Espio e me entrego a sensações e delírios. O tempo é o transe, é o destempero e a desordem. Me reconheço nas minhas dispersões. Acolá, ao pegado do muro, a debilidade do jambeiro e o acanhamento do pé de jucá capturam uma fria reação. O amargo da casca caduca, o discreto vigor do verde airoso das folhas impressionam meus sentidos de apreensão e dúvidas. Sobre a mesa o instante líquido escorre pelas minhas imprecisões. A garrafa de gelo derretendo em cima da mesa é o presente injusto e inglório. Mais à frente, diante da luz, o corredor autônomo, o desfiladeiro de argamassa, o labirinto previsível se encharca do cuspo viscoso dos felinos. Mas é preciso se adiantar, ultrapassar esta barreira comezinha e ganhar a rua porque o Brasil é um gigante desperto que lança uma infinidade de gases poluentes na atmosfera.
O instinto me traz de volta à garrafa e ao pulsar universal sobre a mesa. A Substância mudando de estado físico. A água que surge pelo lado de fora da garrafa e que induz à crença de um milagre. Num repente volto a um jambeiro condenado e a um pé de jucá abandonado. Sinto nos olhos o amargo da casca das árvores. E temo pelo futuro se realizando ali a alguns segundos de mim.


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