O jambeiro, o futuro e o pé de jucá
De
maneira alguma, entendo que pôr uma garrafa de água congelada sobre a mesa e
dispensar um tempo da vida admirando a revolução da natureza, ali, seja
sinônimo de patetice, ou mesmo um ato de vilania contra quem chegaria a seguir
e não encontraria uma água friínha para beber porque estraguei a nossa reserva
de gelo.
Muito
pelo contrário, penso que a partir dessas experimentações, podemos nos adiantar
e nos proteger contra os alarmismos inconseqüentes ou as verdades preocupantes.
Seja
porque torne, seja porque deixe, uma coisa há de se considerar: o Brasil está
relacionado entre os dez países que mais produzem emissão de gases poluentes
para a atmosfera, numa lista que tem China e Estados Unidos na liderança.
Aqui
em casa, a gente costuma colocar uma garrafa de água no congelador. É para
garantir que naquele momento de muito calor e consumo irrefreável, a gente
tenha água gelada para beber.
Outro
dia, me deu na telha de observar o processo de descongelamento da água. Tirei a
garrafa do congelador, e a bicha estava puro gelo, dura como uma tora de
pau-ferro. Pus sobre a mesa e fiquei ali na bicora dos acontecimentos.
Depois
de um tempo comecei a perceber as modificações. E são aquelas, óbvias, que a
gente está encriquilhado de saber. Aparece uma camada de água na parede externa
da garrafa e por dentro, o gelo começa a derreter e voltar para o estado
líquido.
Usei
este exemplo da garrafa de gelo quando fui explicar a chuva, numa cartilha que
elaborei para a Secretaria de Meio Ambiente de Barcarena, e que foi usada numa
campanha de educação ambiental desenvolvida junto à comunidade. Os fenômenos
que ocorrem na escala da garrafa sobre a mesa, são da mesma natureza daqueles
que se realizam em escala planetária. E justificam zonas climáticas, alterações
sazonais no ambiente, fluxo de calor, correntes de ar e das águas dos oceanos.
Espio
e me entrego a sensações e delírios. O tempo é o transe, é o destempero e a desordem.
Me reconheço nas minhas dispersões. Acolá, ao pegado do muro, a debilidade do
jambeiro e o acanhamento do pé de jucá capturam uma fria reação. O amargo da
casca caduca, o discreto vigor do verde airoso das folhas impressionam meus
sentidos de apreensão e dúvidas. Sobre a mesa o instante líquido escorre pelas
minhas imprecisões. A garrafa de gelo derretendo em cima da mesa é o presente
injusto e inglório. Mais à frente, diante da luz, o corredor autônomo, o
desfiladeiro de argamassa, o labirinto previsível se encharca do cuspo viscoso
dos felinos. Mas é preciso se adiantar, ultrapassar esta barreira comezinha e
ganhar a rua porque o Brasil é um gigante desperto que lança uma infinidade de
gases poluentes na atmosfera.
O
instinto me traz de volta à garrafa e ao pulsar universal sobre a mesa. A
Substância mudando de estado físico. A água que surge pelo lado de fora da
garrafa e que induz à crença de um milagre. Num repente volto a um jambeiro
condenado e a um pé de jucá abandonado. Sinto nos olhos o amargo da casca das
árvores. E temo pelo futuro se realizando ali a alguns segundos de mim.
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