sábado, 29 de dezembro de 2018

crônica da semana - pó de arroz


Pó de arroz
Eu queria ver a neve, estar de palmo em cima com ela para constatar se a minha  imaginação é assim, tão digna de credibilidade.
haverá um 2019 que justifique a lista de resoluções que estou montando. São doces decisões. Simplesinhas, acanhadas. Algumas de manutenção do estado atual das coisas, e umas poucas, pura invencionice. Como sem falta, vou vestir um suspensório, passar um pó de arroz na cara e traçar regras rigorosas para sobreviver nos escombros do país.
A possibilidade de me embrenhar no mato e viver uma rotina camponesa, dando comida pra criação, plantando uma tarefa de mandioca aqui, outra acolá, pescando na beira do barranco e apreciando o canto dos pássaros nas alvoradas, não está descartada. São mais de 40 anos na lida operária, está chegando a hora de pendurar o capacete.
Antes, quero ver a neve. Não tem escapatória. Este ano ou é conhecer a neve ou é conhecer a neve. É agora ou neves, Elvis!
Pode ser esta vontade, um capricho besta, uma banalidade burguesa, uma queda ao buraco sem fim das futilidades. Aí vai da gente esta interpretação. Mesmo entre os destroços da democracia, a liberdade do pensar para mim, é sagrada. O que é certo é que a neve me fascina.
E de tal maneira, que tenho impulsos imaginativos. Vivo realidades paralelas arquitetadas, produzidas pelo meu imenso desejo. Acontece, por exemplo, quando vejo filmes no cinema ou na TV, cujos cenários exibem as altas montanhas geladas. Pode estar fazendo o sol que for. A cidade pode estar aquele forno que sabemos, mas me dá um negócio, rola a sugestão, o envolvimento, e logo me vejo sentindo um frio danado, como se estivesse vivendo naquele lugar. É sério. Ponho meia, me embrulho dos pés à cabeça. Tirito. Um universo gelado se acerca de mim com todos os seus sinais. Com todos os seus alvos significados.
Agora deixando de lado as minhas fantasias, imagino que o futuro vai chegar. E que o ano é que está terminando, e não o mundo. A nossa persistência vai garantir a chegada de um outro ano, novo, incerto, cheio de desafios. Há de se estabelecer estratégias, corrigir cursos, admitir recomeços, reatar diálogos. Carece entender que os devaneios e a brancura da neve podem significar tantos e outros objetos, amplos e diversos objetivos, gratas ansiedades, latentes intenções, agrárias conjurações.
As resoluções de ano novo são teimas abraçadas. São juras de pé junto pelas quais lutaremos. O que a gente pretende é porfiar pelo melhor. Resistir. O que a gente decidir mudar, manter, inventar para o ano novo é a vida sendo construída. Tomar decisões. Iniciar caminhos. Confirmar sonhos, tocar os dedos na neve, sentir um frio inimaginável. Ou apenas manter a idéia de uma pequena roça, aceitar o cansaço dos anos nos abatendo... Ativar a dieta parada em algum dia no passado. Investir na convicção de que o conhecimento e a ação juntos provocam mudanças, reanimam cânticos e sorrisos. Quero crer que haverá um futuro, mesmo que ele me sugira vestir suspensório e passar pó de arroz na cara. Não é o fim dos tempos, é apenas a lida sendo cuidadosamente redefinida.





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