Pó de arroz
Eu
queria ver a neve, estar de palmo em cima com ela para constatar se a minha imaginação é assim, tão digna de
credibilidade.
haverá
um 2019 que justifique a lista de resoluções que estou montando. São doces
decisões. Simplesinhas, acanhadas. Algumas de manutenção do estado atual das
coisas, e umas poucas, pura invencionice. Como sem falta, vou vestir um
suspensório, passar um pó de arroz na cara e traçar regras rigorosas para
sobreviver nos escombros do país.
A
possibilidade de me embrenhar no mato e viver uma rotina camponesa, dando
comida pra criação, plantando uma tarefa de mandioca aqui, outra acolá, pescando
na beira do barranco e apreciando o canto dos pássaros nas alvoradas, não está
descartada. São mais de 40 anos na lida operária, está chegando a hora de
pendurar o capacete.
Antes,
quero ver a neve. Não tem escapatória. Este ano ou é conhecer a neve ou é
conhecer a neve. É agora ou neves, Elvis!
Pode
ser esta vontade, um capricho besta, uma banalidade burguesa, uma queda ao
buraco sem fim das futilidades. Aí vai da gente esta interpretação. Mesmo entre
os destroços da democracia, a liberdade do pensar para mim, é sagrada. O que é
certo é que a neve me fascina.
E de
tal maneira, que tenho impulsos imaginativos. Vivo realidades paralelas arquitetadas,
produzidas pelo meu imenso desejo. Acontece, por exemplo, quando vejo filmes no
cinema ou na TV, cujos cenários exibem as altas montanhas geladas. Pode estar
fazendo o sol que for. A cidade pode estar aquele forno que sabemos, mas me dá
um negócio, rola a sugestão, o envolvimento, e logo me vejo sentindo um frio
danado, como se estivesse vivendo naquele lugar. É sério. Ponho meia, me
embrulho dos pés à cabeça. Tirito. Um universo gelado se acerca de mim com
todos os seus sinais. Com todos os seus alvos significados.
Agora
deixando de lado as minhas fantasias, imagino que o futuro vai chegar. E que o
ano é que está terminando, e não o mundo. A nossa persistência vai garantir a
chegada de um outro ano, novo, incerto, cheio de desafios. Há de se estabelecer
estratégias, corrigir cursos, admitir recomeços, reatar diálogos. Carece
entender que os devaneios e a brancura da neve podem significar tantos e outros
objetos, amplos e diversos objetivos, gratas ansiedades, latentes intenções,
agrárias conjurações.
As
resoluções de ano novo são teimas abraçadas. São juras de pé junto pelas quais
lutaremos. O que a gente pretende é porfiar pelo melhor. Resistir. O que a
gente decidir mudar, manter, inventar para o ano novo é a vida sendo
construída. Tomar decisões. Iniciar caminhos. Confirmar sonhos, tocar os dedos
na neve, sentir um frio inimaginável. Ou apenas manter a idéia de uma pequena roça,
aceitar o cansaço dos anos nos abatendo... Ativar a dieta parada em algum dia
no passado. Investir na convicção de que o conhecimento e a ação juntos provocam
mudanças, reanimam cânticos e sorrisos. Quero crer que haverá um futuro, mesmo
que ele me sugira vestir suspensório e passar pó de arroz na cara. Não é o fim
dos tempos, é apenas a lida sendo cuidadosamente redefinida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário