Teima
O
Luís Fernando Veríssimo é um cronista aquilatado. Tem um texto valioso. Leio
Veríssimo desde que era bebê, em Rondônia. Desde a explosão que foi “O Analista
de Bagé” ou o vendaval que se tornou a publicação de “Ed Morte”. Sou fã do cara
desde aqueles tempos em que a gente conseguia as publicações dele somente pelo
Círculo do Livro. Edições capa dura, bem produzidas e que demoravam quase dois
meses pra chegar, via correio. Por essas e por outras acho que temos certas
intimidades. Certas empatias. Disse isso pra ele, em uma das edições da Feira
do Livro, ainda no Centur.
O
que se torna e o que se deixa é que acabei de ler mais uma coletânea do
Veríssimo e me vi de novo, alinhado com os mesmos sentimentos, as mesmas manias
e as mesmas teimas em uma crônica em que o criador da “velhinha de Taubaté”
impinima com a passagem do milênio. Teimo do mesmo jeito.
Em
1999, me emboletava em ferozes e intermináveis discussões sobre a virada do
milênio. Lembrando: Houve uma manipulação que nos enfiou goela abaixo que o
século 21 começaria no dia primeiro de janeiro de 2000. A minha tese e a do meu
cronista preferido considera que o terceiro milênio começou de vera, no dia
primeiro de janeiro de 2001. E haja teima. A grande mídia, a Onu, a astrologia
e até o mundo binário da computação embarcaram na onda. Inventaram o tal do
“bug do milênio” que viria ser a besta apocalíptica da troca de algarismos na
virada do século. Não sei o argumento do Veríssimo para validar a tese, mas a
minha vem lá da quinta série. Minha professora de História, no primeiro ano do
ginásio, demarcou a contagem do tempo considerando o ano 1 da era cristã. Então
o primeiro milênio foi do ano 1 ao ano 1000, aqueles anos marcados pelas trevas
medievais. O segundo milênio, obviamente percorreria do ano 1001 ao ano 2000,
ora bolas. Em 2001, sim, é que começaria o terceiro milênio. Estava lá no meu
livro TDH (Trabalho Dirigido de História, que a gente recebia do governo). Sei que
tantas foram as lambanças e as firulas que mesmo o mundo virtual provou ser sem
sentido os medos. Nenhum computador pirou. Uns ajustes na data e hora no canto
da tela do computador, dessas que faço todo dia porque meu PC tá meio cansado,
redimiu toda a humanidade das fakes apreensões.
Outra
teima que me faz encrencar com o cristão que for é aquela do “que dia é hoje?”.
Alguém sempre vem todo metidão dizendo que “hoje são 25 de agosto”. Para mim,
esta resposta é um atentado sonoro. Um acinte ruidoso. Uma descompressão
fonética violentíssima, capaz de fazer saltar do coco da gente os tímpanos e a
paciência. Dizem os entendidos que esta forma é certa. Morro sob tortura
afirmando que o verbo é no singular: “hoje é 25 de agosto”. Ávido, recorro aos compêndios
gramaticais ortodoxos. Oportunamente, me agarro à elipse, figura de linguagem que
me socorre.
Nos
encontramos nas teimas eu e Veríssimo. Às vezes, preciosismos literários. Na
vida real, as questões são mais substanciosas. Idéias e ações podem apagar o
mundo. O risco de nos quedarmos à escuridão nos inspira à teima renhida. Sem
medo de ser feliz.
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