Refugiados
Raimundinho
veio do Xapuri, desceu no Ver-o-Peso e foi morar na Pedreira, com a família.
O
casal Charlote e Thomas desembarcou ainda no oceano. A mais de duzentos
quilômetros da costa. Achavam que estariam mais perto do oriente, para recordar a terra
natal. Viveriam a vida toda de saudades.
Ernest,
Astrid, Edwiges, Andrews e a turma do baralho, nas noites eternas da viagem,
apostaram na península. Acordaram as crianças, vestiram-nas com linhos finos e
desceram para aquela ponta de terra com os olhos vidrados de sono e com a boca
seca. Logo nos primeiros passos, além do banco de areia, achariam água doce
para aliviar-lhes a sede.
Os
rapazes Thog e Mendelson, juntaram-se a multidão que ficou no estuário.
Equilibravam-se no trapiche, na hora do desembarque, revezando os cuidados com
a bagagem e a pequenina Diva, uma cachorrinha doce de barbicha acutilada e
branca. Quando pisaram em terra, deram-se as mãos, beijaram-se e deixaram a
Pincher explorar os entornos do futuro.
Raimundinho
sentiu o vento, consultou o coração e foi morar na Pedreira com a família.
Muitos
seguiram em frente. Subiram o rio em busca de ouro, prata, balata, terra boa e
roxa; uma temperatura mais branda, látex, ervas e baunilha. O verde da
floresta, o infinito das águas e céus. Cruzaram tratados e subverteram ordens.
Hannah,
Heidi, Herman, Oliver e Dylan ainda dançam no convés. Dia e noite sem parar.
Trazem a alegria impregnada nos corpos vermelhos de tanto sol e nas mentes
crivadas de generosidade. Formam uma irmandade, uma rede de recepção, de
acolhimento. Sobem e descem o rio em todos os sonhos, em todas as vontades, em
todos os transes. Embalam de cantos e danças a aventura de viver. De meando em
meandro. De meandro em meandro.
Benedito,
Chaves, Juan, Aloch, joiel, Brandt e ainda Ketô formam o grupo místico que se
lançou às montanhas. Lá onde nenhum navio, nenhum barco ou canoa simples
consegue chegar. É um lugar alto e frio, que transforma o grande rio num filete
de água cristalina. Lá de cima miram vales, serpenteio de canais, aves baixas,
verdes densos. Divisam limites e barreiras impostas pelos costumes humanos.
Percebem sons secos, vapores ancestrais, pontes de recomeços. Há chance. Uma
remota chance, logo abaixo do céu.
Lá
de cima o que se vê é que o espaço não é marcado, não tem divisórias, nem
trancas à chave, nem arames pontiagudos, nem políticas excludentes.
O
que se avista lá embaixo mesmo são conceitos impostos pelos assustadores costumes
humanos.
Alguns
preferiram as ilhas vulcânicas por causa da sensação de proximidade com a
pátria amada. Outros deram com a península e reinventaram a história. Uma
multidão aventurou-se pelas margens, em busca de riquezas. Um grupo, além de
qualquer compreensão, dança, por séculos, animando sonhos. Das montanhas, a
transcendência e a miragem nos alertam dos falsos caminhos e das fraquezas
humanas. E admitem milagres (uma remota chance).
De
meandro em meandro, uma ponte de recomeços, um quê de generosidade.
Raimundinho
veio do Acre, desceu no Ver-o-Peso e foi morar na Pedreira, com a família.
Éramos
todos refugiados.
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