O rio do meu lugar
Belém
é uma cidade entregue às águas. Castelo Branco quando varou aqui pensou num
lugar estratégico para a ocupação da região (aliás, o que os portugueses sabiam
fazer bem era ocupar pontos estratégicos. Muito depois de Castelo - e por um
bom tempo- as nossas esquinas seriam testemunhas desta virtude. O cheirinho do
pão quente, Três’orinha da tarde, denunciou sempre a presença prazerosa, bem a
calhar, de um lusitano).
Mas
não fez só isso. O fundador da Feliz Lusitânia nos legou uma paisagem líquida,
volumosa, dinâmica: a orla de Belém. Esta aqui que obedece a linha que vai do
Ver-o-Peso até, mais ou menos, Icoaraci, Mosqueiro. Tem uma direção Norte-Sul
(depois, ela dá uma cambada para Leste e aí já toma ares de costa atlântica) e
é responsável pelo nosso orgulho, pela nossa soberba.
A
frente de Belém é composta pela somatória das águas do rio Guamá e rio Acará. O
rio Guamá vem-que-vem, desde Ourém onde a água é mais clarinha e veloz (tem até
cachoeira!). É um rio subversivo: corre de Leste para Oeste. Vem ao contrário, da
beirada, para o centro.
Já
o Acará, é um rio mais doméstico, mais nosso, mais íntimo. Vem do centro, para
a beira. Traz o dialeto ribeirinho em si. Vem carreando notícias dos matapis. Vem
prevenindo para o banho no balneário (trouxeste short?). Mas como, então? É o
rio que traz as memórias de minha querida tia Irá.
Na
frente de Belém, os dois rios se juntam e formam o que, popularmente, chamamos
de baía do Guajará. Na verdade, um deslumbrante estuário. Ocorrem, aqui, de confronte,
as grandes ondas, a alegria da enchente e a monotonia da vazante, a ventania
verpertina, o pôr-do-sol dos amantes, as domingueiras festivas nos pontais.
Mais
adiante, à altura de Icoaraci, e já de par com o aconchego da ilha de Cotijuba,
o estuário se agiganta com o acréscimo das águas do rio Pará.
Este
rio extraordinariamente grande desliza soberano pela planície. Prestativo, generoso,
obsequioso. Leva e traz sonhos, ilusões, frustrações (além da conveniente aviação
e miudezas em geral). Aquece e abranda saudades, no ir e vir dos “Fé em Deus”. É o rio da integração guajarina-marajoara. Por
ele, se chega a Macapá sem precisar voltear a costa. Por ele, se cruza de um
mundo (de água) a outro, pelo emaranhado controverso, inexplicável de furos do
baixio amazônico. Por ele, ah, por ele, se chega à praia do Pesqueiro e à Ponta
de Pedras. Por ele a alma se enaltece nos segredos e mistérios da travessia.
O
rio Pará tem rumo certo: o mar.
Corre
de Oeste para Leste. Nasce não sei donde (aliás, nem parece que nasce. O rio
Pará, simplesmente é.), mas é abnegado, decidido. Diz logo para que veio.
Quando
se ajeita, lado-a-lado, com o Tocantins, o rio Pará se eleva à baía. Baía do
Marajó (aquela de banzeiros e sacolejos de dar entojos e arrupios).
E
vai derramando suas águas sobre os tributários mais modestos, mais melindrosos,
mais finos. Quando o rio Pará quebra para Leste e ganha o status de baía, não
tem pra ninguém. Nem para o Guamá, nem para o Acará. Só dá ele.
Daí,
Belém, Outeiro, Mosqueiro, também recebem a águas arrogantes, rigorosas do rio
Pará. O rio, aqui na quebrada, no respeitoso estuário, vira um componente
absolutista, inquestionável. E exige respeito (quem se atreve a atravessar a
baía do Marajó sem pedir permissão?).
Um
rio soberano, inquestionável, infelizmente, somente para as leis da natureza. Para
a lei dos homens, um rio frágil.
No
último final de semana, quis dar um mergulho na praia da vila do Conde, que é
banhada pelo rio Pará. Mas não deu. Tive medo de sair de lá cheio de pira.
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