Zona
Temperada sul
A
gente quando volta de férias tem que contar um pouquinho do passeio. Assim é a
escrita desde os tempos das redações no grupo escolar.
Talvez
tenham, essas redações, sido a antecâmara da minha versão cronista ficcionista.
Olha que inventava. Dizia ir para cantos que não ia nunca. Criava aventuras e
divertimentos. Forjava bronzeados e amores de trapiche.
Hoje
não enfeito o pavão não. Conto o certo e o ocorrido. Este ano, mirei conhecer o
frio e abicorar a constelação do Cruzeiro, nas altas latitudes.
Então
vamos lá: “minhas férias”.
Cruzei
o Brasil e fui dar no Rio Grande do Sul. Ô, coisa pra dar certo. Parece até que
foi um passeio planejado no Excel, com formulinhas e tudo. Foram dez dias bem
divididinhos. Metade do passeio, céu plúmbeo e frio de lascar o cano; a outra
metade, tempo aberto e todas as chances de medir e reverenciar a constelação do
Cruzeiro.
Para
quem foi descobrir como é, subestimamos o frio. Levamos aquelas blusinhas
clássicas de mangas compridas, uns casacos emprestados, luvas de meia. Se a
gente mais que depressa não se aviasse nos brechós, e triplicássemos as peças
de agasalho, cairíamos tesos e congelados. O troço não é de brincar não. Dois,
três graus de temperatura é tempo e cenário que exigem o maior respeito. Nos
primeiros dias, a nossa valência foi um cobertor que, muito apropriadamente,
apelidamos de montanha. Tinha uns seis metros quadrados e uma espessura taluda
assim, ó. Foi o nosso iglu, nos momentos mais difíceis. Roupas eram às camadas.
Usar o banheiro, uma operação de guerra. O atenuante é que por lá, tudo é
arranjado para enfrentar o frio. Alguns compartimentos das casas têm
aquecedores elétricos, lareira, a água das torneiras é quente. Valorizamos cada
espaço morninho que conquistávamos. Valeu. Conhecemos o frio e deu pra varar,
nessa gelada aventura.
Do
meio pro fim, o clima virou. Os dias amanheciam com um céu azul de encandear.
Acordávamos com a temperatura beirando os dez graus, o que para nós já era um
padrão suportável. Dispensamos o montanha.
Anoitece
cedo, esta época do ano, por ali. Então, antes das seis, Vênus já dava o ar da
graça, Escorpião se exibia no zênite, e Júpiter puxava o cortejo de pontos cintilantes.
Dali, foi um pulo para eu achar o Cruzeiro do Sul. Não digo que foi uma
surpresa. Eu esperava confirmar mesmo a impressão. Mas foi algo muito prazeroso
(e tanto, que não consigo traduzir nestas linhas, o que senti naquele encontro)
quando localizei o Cruzeiro, numa altura no céu bem diferente daquela que
costumamos ver por aqui. Em Belém, é até difícil achar o Cruzeiro do Sul, por
causa dos prédios e dos elementos urbanos. Aqui próximo ao Equador, ele nasce
lá embaixo, bem rente ao horizonte. Por causa da curvatura da Terra, quanto
mais a gente anda pro Sul, mais ele ganha altura no céu. Quando vi o Cruzeiro
em cima do meu cocuruto, pirei total.
Ah,
sim, apreciei ravinas bordadas de pinhos, pinheiros, e espécies afins da Mata
de Araucária, um tipo de floresta que só conhecia dos atlas geográficos.
Desde
o grupo, a gente tem que contar um pouquinho. Assim tá na escrita.
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