Bolsa
de menininha
Acompanhei
de ouvido atento, uma conversa apurada, durante a viagem de ônibus que me
levava para casa, após um dia daqueles, de trabalho.
Devo
dizer que estava pra lá de preocupado com o estado atual das coisas, com o
risco de desemprego que ronda minha categoria e trabalhadores outros ligados à
cadeia do alumínio. Olha, olha, algo em torno de seis mil empregos em tempo de se
evaporarem não dão sossego pra ninguém.
Para
o horário, a viagem estava até tranquila. Ônibus sem aperto, surpreendentemente
limpo e iluminado, todos sentados. Motorista ligado e cuidadoso, não era
daqueles que costumam dar freadas bruscas ou balançar o carro para arrumar a
carga. Daí que a inusitada calmaria me proporcionou ouvir o papo que rolava, na
cadeira atrás de mim. Duas mulheres. Uma só ouvia ou, vez em quando ensaiava um
“mas, axi!”. A outra, metralhava. Assegurava, em amplos e disparatados
exemplos, que a violência farta em Belém é resultado da Bolsa Família,
distribuída indistintamente pelos governos comunistas de Lula e Dilma.
Segundo
a passageira tagarela, essa política assistencialista, estimulou as ‘menininhas’
a engravidarem a torto e a direito, sem temores pelo futuro, pois que o
dinheirinho do governo estava garantido.
Choveu
uma chuva fina, mas que respingava pra dentro do ônibus. Nos aviamos pra fechar
as janelas. O ambiente ficou denso, úmido e quente. Um desconforto enorme se
instaurou, mais em mim, que adicionei àquele microclima sufocante, o meu
indisfarçável descontentamento com a tal teoria sobre o alto índice de
criminalidade na cidade. Jamais pensei que do meio de uma categoria social que
anda de ônibus e que só falta soltar os bofes quando as janelas são fechadas
por causa de uma brisa ao cair da noite, pudesse brotar um discurso sociológico
tão ácido, tão objetivamente venenoso. Não é uma defesa de política deste ou
daquele governo. Mas, convenhamos, desconhecer, por exemplo, o direito da
mulher, de ter quantos filhos quiser, de prima, já desmoraliza a tese. Também não
conta a oratória pensa, com os exemplos reais de maridos abandonando, por aí, mulheres
cheias de filhos, todos os dias. Credita todas as mazelas às mães “menininhas”.
Percebi
o senso corroído desta senhora, analisando problemáticas graves da sociedade
pelas lentes da empáfia, do divisionismo, da soberba de pobre metido à besta.
Imediatamente
resgatei do meu dia de trabalho, tantas companheiras que, por causa de
histórias mal contadas, por causa de imediatismos políticos e a partir de
ilusionismos populistas, podem perder seus empregos e, na sequência, por
necessidade, correrem atrás de uma bolsa social. Com certeza a faladeira, que
sequer se ergueu da cadeira, na hora da chuva, e esperou que a amiga desse
conta de fechar todas as janelas próximas, não mudaria o discurso. “Tudo gente
preguiçosa correndo atrás do dinheirinho fácil”, diria, cheia de si.
A
chuva deu um tempo. Abri a janela e uma brisa necessária me reconfortou. Um
respingo remanescente oportunista escapou para a cadeira das amigas. Atrás de
mim, a outra resmungou: “mas, axi”.
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