sábado, 21 de abril de 2018

crônica da semana- açúcar


Amarga como o açúcar
Tô sabendo que tem nave exploradora sendo preparada para descer em uma lua de Júpiter. Pelas previsões mais otimistas, é lá que a gente vai morar quando isso aqui estiver pra virar poeira.
Europa é um pontinho entre outros 69 que ficam dando voltas em torno do maior planeta do sistema solar. Tem água e pode comportar uma atmosfera que sustente a vida. O nome, assim como ocorreu com o velho continente, é  homenagem a uma princesa que foi raptada por Zeus. A mitologia grega conta que Zeus para chamar a atenção da princesa, transformou-se em touro, a levou no lombo para a ilha de Creta e lá ela tornou-se rainha. A lua de Júpiter tem no nome a fantasia, o sonho, a alegoria.
Mas nem dá pra gente se animar. Essa viagem não nos pertence. A nova casa já anuncia a superlotação. É menor que a nossa lua. Como daqui até o embarque, as relações entre as pessoas estarão extremamente estremecidas, e também, os meios tecnológicos estarão gravemente comprometidos pelas constantes tentativas de autodestruição, a disputa para entrar na nave será à dentada.
Estamos escapando. Nesta última semana, uma guerra mundial se anunciou. A formação de blocos foi um sinal da dimensão deste conflito. E não é qualquer escrete não. São nações que detêm a tecnologia nuclear. Alto poder de destruição. Um click no botão cá, outro lá, e boa parte da humanidade estará habitando o mundo da poeira.
O cenário me faz lembrar quando fazíamos a vigília de apoio aos padres franceses Aristides Camio e  François Gouriou,  ameaçados, no início dos anos 80, de serem expulsos do Brasil por envolvimento em questões de terra. Em uma noite de muita reflexão e estudo, alguém fez uma análise da guerra fria, e admitiu que Estados Unidos e Rússia não se enfrentariam diretamente. Não eram bestas de se destruírem mutuamente. O imperialismo se encarregaria de apontar o perdedor virtual deste enfrentamento. Por este pensamento, em tempos atuais, a margem do mundo viraria poeira e os dois grandes iriam às dentadas para garantir um lugar na nave para Europa.
Depois de sábado, fiquei em dúvida.
Como a viagem para Europa, esta aqui da Terra ou mesmo a outra de Júpiter, para nós, não está no script, mesmo, vou me proteger na guarda de uma das mangueiras mais porrudas da cidade e esperar a poeira sentar. Dos males, sei que vou me bater com a falta do açúcar. Pelo menos era essa a lembrança que meu professor de inglês, Avelar, tinha da guerra. Estudei com ele no primeiro grau, e olha que sorte, me bati com ele de novo na Escola Técnica. Era um tipo controverso, duro e cheio de manias. Tinha, também, seus momentos dramáticos. Às vezes, passava a aula toda relatando as dificuldades de uma Belém, no tempo da guerra. A maior peleja era pra conseguir o açúcar. Fazia questão de dar realce à dificuldade de conseguir açúcar para ele e para a mãezinha. Deixava docemente, transparecer que a amargura causada pela guerra se dava, mais gravemente, pela falta de açúcar.
Depois de sábado, a dúvida. A lua de Júpiter tem água, pode ter atmosfera. Será que tem açúcar, sonhos, alegorias, fantasias respiráveis?

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